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sábado, 7 de novembro de 2015

A casa do barco - Escuridão Total -

As estrelas verdes estão caindo, trazendo desequilíbrio... - Fome, sono, sede, pesadelos, desprezo e revelação.
- Durmam, meus amigos, durmam... - E assim disse a grossa voz. 



Freedie Chawer providencia de dentro do armário de madeira que se localizava em um depósito pequeno (somente para guardar o que não cabia nas prateleiras), fitas adesivas, sete rolos dela, uma marca famosa nos Wall-Mart's da cidade, no rótulo dizia:
- Master Silver Tape - ultra forte, 25 kgs (O que para Tom e Freedie, provavelmente, fazia dela única). Ele permanece de pé dentro da sala, tirando tudo o que dava para se aproveitar e ser reutilizado como porta. Lembra de duas tábuas, que estas, foram sobras de um conserto em um barco antigo e ele havia deixado-as por lá, intocadas por anos, debaixo de...
- Os freezers! - Freedie pensa e capta a ideia de ir busca-las - Caminhando de volta para o início da casa, de encontro aos sobreviventes.

Lecter está embraçando todos em uma manta de algodão que estava lacrada em uma das prateleiras do fundo, quase que oculta entre artigos de pesca e cartuchos e também pentes para as armas:
- Esses filhos-da-mãe deviam estar tentando fazer uma loja aqui - ele pensa. Logo o pensamento vai embora como a velocidade que as balas saíam daquela M3 por um chamado de Freedie para ajuda-lo com o freezer.
Eles tinham um certo tempo até a névoa congelante do lado de fora não afetasse ninguém com o frio, principalmente Tom e Tommy que estavam maus ainda.

Freedie deixa uma das tábuas de mais ou menos um metro e meio de largura e também um metro e meio de altura, deixando-a na horizontal, ele pede para Tommy deitar a sua da mesma forma também em cima, assim o as brechas pequenas poderiam ser sobrepostas com a Master Tape. Não trazia proteção de qualquer bicho do lado de fora, mas trazia proteção à saúde de Tommy e Tom. - E isso já é suficiente - Freedie deixa escapar, baixinho. Lecter pisca um dos olhos, desenrolando a fita adesiva e fazendo um som ao cortar um pedaço com os dentes.
- Pregue na diagonal, funcionará como rede para as tábuas deixando-as estáveis por ora. - Diz Freedie Chawer. E novamente Lecter anui, amigavelmente. Dava para ver de longe que não havia rixas entre os dois, se trabalhassem juntos o que não estava acontecendo quando se conheceram, iriam conseguir sobreviver aquilo, ou pelo menos durar um pouco mais. Lecter Humpt não recebe ordens, também era descendente do exército, e como Chawer ele fora o "Lobo-mestre" que protegia o próprio bando, e não era bonito baixar a cabeça na frente de ninguém. Independente da situação. Era como: morra mas não se entregue! - um dos filmes que mostravam as aventuras de Tex (um cara que representava um soldado em uma guerra que se assemelhava a que tinha ocorrido no Vietnam) que Lecter tanto assistia.
- Tudo pronto, agora precisamos pensar em como sair daqui! - Exclama notoriamente Freedie. - Lecter retribui fazendo um sinal como o de uma câmera invisível que possuía em uma das mãos e novamente torna a piscar para Freedie fazendo o sinal de legal com os dedos.

As tábuas estavam em posições horizontes, como a debaixo estava próxima ao chão e cercada pela Master Tape de 25kg, então esta por sua vez aparentava ser mais estável estando rigidamente de pé. Já a segunda, estava inclinada, apenas um pouco, uma espécie de improviso de Lecter a fez ficar a mais em pé e segura para não se soltar, o mais possível.
- Isso dá conta. - Pensa Lecter - Isso dará conta - O pensamento se segue - Por ora.

Freedie volta da "sala-de-suprimentos" com um ideia em mente. Uma boa ideia e óbvia também. Na verdade eram duas, a outra ele teve depois de contar para Lecter.
- Lecter... Bem... Analisando este ponto de vista, nós poderíamos deixar todas as coisas da sala aqui e se refugiarmos lá dentro, a porta seria um freezer, possibilitaria maior segurança do que aqui. Lecter se manteve calado por um tempo. Depois olhou para a porta com as tábuas que poderiam cair somente com um simples chute, e com um morder em um palito que achara derivando pelo chão, no canto de sua boca, ele vira para Freedie, e apenas meneia com a cabeça para dizer que sim.

Logo após o trabalho duro e as translocações dentro da casa do barco, vêm dizer a segunda ideia para Lecter.
- Pense bem...- ele põe uma das mãos na jaqueta de Lecter Humpt, que este apenas o acompanha com os olhos. - Se eles perderem um de nós, ficará mais difícil para o outro cuidar de todos e proteger ao mesmo tempo. Pense bem... - Agora ele aperta o ombro um pouco mais firme - Se um ficar de guarda aqui fora com uma arma em mãos, ficará mais fácil para que possamos nos defender. Você sabe quem têm mais... Sabe que haverá mais. - Ele meneia a cabeça forçando a dizer sim e apertando seu ombro. No canal na tv dentro do Wall-mart, enquanto ele ajeitava as compras do mês, ouviu que fazendo aqueles gestos era possível fazer com que a pessoa tenha um êxito maior em ficar propensa a dizer o que você quer que ela diga, o que chamam de psicologia barata.
- Que opção mais eu tenho? - Ele diz tirando o palito de dentes da boca e juntando a alguns que foi catando no chão, quebrou um ao meio, mostrou-os a Freedie, como um mágico faz para mostrar que o baralho é totalmente normal (o que não é) e misturou-os na mão e esticou para Freedie, subindo uma das sobrancelhas, sendo convencido.
- Então quer dizer que quem puxar o quebrado está livre?
- Sim. Puxar este é mais difícil, então quem puxar estará com sorte hoje. - Responde Lecter. - Quer começar?
- Sim, claro. - E não é que na primeira tentativa Freedie puxou o quebrado. Aquela cena os fizeram rir como duas crianças, bastante.

Lecter Humpt já estara pondo a mão para dentro da pequena brecha da porta e fazendo um legal com os dedos,
- Então é isso, Lec. - Diz Freedie.
instantaneamente aquele sinal se transformou em um único dedo levantado, mostrando-lhe o dedo do meio.
- Cuidado com a bruxa, Lec. - Tom diz, com uma voz fraca e um bocejo sonolento. Freedie sela a porta com o freezer. Esperando ele...
Ser por todo o resto da noite.

Lecter senta com as pernas esticadas e recostado na parede, suas mãos seguram firme a submetralhadora M3 e ao seu lado está dois pentes e uma caixa de balas com sessenta unidades - suficiente para mais dois pentes - Ele pensa.
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Ele verifica o relógio:
- Duas da manhã. - Lecter pensa rapidamente. - Ainda afundado na escuridão pelas próximas quatro horas e meia até o primeiro fio de luz cruzar o céu.
Ele escuta o ressoar de passos em sua memória e olha para as tábuas provisoriamente colocadas, lembra da cabeça e volta sua visão para a cabeça no chão e se recorda que a jaqueta que estara usando agora estava enrolada naquela bola de ossos. Isso causa-lhe arrepios sucessivos. Isso também se segue com o início do que ele chamara de "martelinho-dourado na mente", o que nós se referimos a um começo de dor de cabeça.
Isso também não era bom.
Pois isso lhe trazia mais arrepios por estar sozinho.
E aqueles olhos vindo da escuridão olhando para ele também,
- Apenas uma bola de ossos - ele pensa. - mas que continua olhando para você depois de morta.
Ele sentia aquilo olhando para ele como se estivesse viva.
Ele a sente piscar.
E isso lhe causava arrepios repulsivos.


- Cinco horas. - Lecter murmura olhando novamente para o relógio. E o silêncio dentro do quarto é preocupante e confortador ao mesmo tempo. Talvez conseguiu cochilar uma hora ou outra durante a madrugada. Ele olha para a porta improvisada, não a do quarto, mas a da entrada e a vê aberta.
Ele se levanta de imediato já mirando na escuridão total.
Uma luz verde emana de lá, e vários pontinhos seguem a luz principal se elevando no ar e iluminando tudo o que permanecia no escuro.
A arma cai no chão e por ser automática acaba atirando duas ou três vezes antes de parar, Lecter está hipnotizado, enfeitiçado pela luz.
A luz diz algo baixo.
Lecter diz que não entendeu, mas logo após apenas confirma com a cabeça e caí no chão, desmaiado.
Suas forças foram embora.
Freedie corre do quarto e observa Lecter no chão, em seguida, ele também caí sem forças.
E isso acontece com Liz, Maggie, Tommy e Tom.
Todos no chão. E no relógio de Lecter Humpt, faz sequenciados bips, anunciando que já era nove horas da manhã.

A bola cabeluda de ossos rola para fora seguindo a luz verde e os pontinhos também verdes, seguida por sua espinha dorsal que rasteja como uma cobra.





Sumindo na escuridão Total.




quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O homem que adorava flores - Stephen king Short Story - Night Shift (sombras da noite - pt - br)


No início de uma noite de maio de 1963, um jovem com a mão no bolso subia energicamente a Terceira Avenida em Nova York. O ar era suave e lindo, o céu escurecia gradativamente de azul para o belo e tranqüilo violeta do crepúsculo. Existem pessoas que amam a metrópole e aquela era das noites que motivavam esse amor. Todos os que estavam parados às portas das confeitarias, lavanderias e restaurantes pareciam sorrir.
Uma velha empurrando dois sacos de verduras num velho carrinho de bebê sorriu para o jovem e o cumprimentou
― Oi, lindo! O jovem retribuiu com um leve sorriso e ergueu a mão num aceno. Ela seguiu caminho, pensando: Ele está apaixonado. O jovem tinha aquela aparência. Usava um temo cinza-claro, a gravata estreita ligeiramente frouxa no colarinho, cujo botão estava desabotoado. Tinha cabelo escuro, cortado curto. Pele clara, olhos azuis-claros. Não era um rosto marcante, mas naquela suave noite de primavera, naquela avenida, em maio de 1963, ele era lindo e a velha refletiu com instantânea e doce nostalgia que na primavera qualquer pessoa pode ser linda... se estiver indo às pressas encontrar-se com a pessoa de seus sonhos para jantar e, talvez, depois dançar. A primavera é a única estação em que a nostalgia parece nunca tornar-se amarga e a velha seguiu seu caminho satisfeita por haver cumprimentado o rapaz e alegre por ele haver retribuído o cumprimento erguendo a mão num aceno.

O jovem atravessou a Rua 66 andando a passos ágeis e com o mesmo leve sorriso nos lábios. Na metade do quarteirão estava um velho junto a um surrado carrinho de mão cheio de flores ― cuja cor predominante era o amarelo; uma festa amarela de junquilhos e crocos. O velho também tinha cravos e algumas rosas de estufa, na maioria amarelas e brancas. Comia um doce e escutava um volumoso rádio transistorizado equilibrado de través no canto do carrinho. O rádio difundia notícias ruins que ninguém escutava: um assassino que abatia as vítimas a martelo ainda estava à solta; John Fitzgerald Kennedy declarava que a situação num pequeno país asiático chamado Vietnã (que o locutor pronunciava "Vaitenum"), merecia ser observada com atenção; o cadáver de uma mulher não identificada fora retirado do East River; um júri de cidadãos deixara de pronunciar um manda-chuva do crime, na campanha movida pelas autoridades municipais contra o tráfico de tóxicos; os soviéticos tinham explodido uma bomba nuclear.

Nada daquilo parecia real, nada daquilo parecia importante. O ar era suave e gostoso. Dois homens com barrigas de bebedores de cerveja estavam à porta de uma padaria, jogando níqueis e gozando-se mutuamente. A primavera estremecia na orla do verão e, na metrópole, o verão é a estação dos sonhos. O jovem passou pelo carrinho de flores e o som das notícias ruins ficou para trás. Ele hesitou, olhou por cima do ombro, parou para pensar um momento. Enfiou a mão no bolso do paletó e apalpou mais uma vez algo que estava lá dentro. Por um instante, seu rosto pareceu intrigado, solitário, quase acossado. Então, ao retirar a mão do bolso, reassumiu a expressão anterior de entusiástica expectativa. Retornou ao carrinho de flores, sorrindo. Levaria algumas flores para ela, que gostaria.

Ele adorava ver os olhos dela faiscarem de surpresa e prazer quando lhe levava algum presente
― coisinhas simples, porque estava longe de ser rico.
Uma caixa de bombons. Uma pulseira.
Certa vez, só uma dúzia de laranjas de Valência, pois sabia que eram as preferidas por Norma.
― Meu jovem amigo ― saudou o vendedor de flores ao ver o homem de terno cinzento voltar, correndo os olhos pelo estoque exposto no carrinho. O vendedor devia ter sessenta e oito anos; usava um surrado suéter cinzento de tricô e um boné macio a despeito da noite morna. Seu rosto era um mapa de rugas, os olhos empapuçados.
Um cigarro lhe tremia entre os dedos. Contudo, ele também se lembrava de como era ser jovem na primavera ― jovem e tão apaixonado que corria para todos os lados. Normalmente, a expressão no rosto do vendedor de flores era azeda, mas agora ele sorriu um pouco, assim como sorrira a velha que empurrava as compras no carrinho de bebê, porque aquele rapaz era deveras um caso óbvio. Limpando farelos de doce do peito da suéter larga, pensou: Se esse rapaz estivesse doente, certamente o manteriam no CTI.
― Quanto custam as flores? ― indagou o jovem.
― Preparo-lhe um belo buquê por um dólar. Aquelas rosas são de estufa, por isso um pouco mais caras. Setenta centavos cada uma. Vendo-lhe meia dúzia por três dólares e melo.
― Caras ― comentou o rapaz.
― Nada sai barato, meu jovem amigo. Sua mãe nunca lhe ensinou isso? O jovem sorriu.
― Talvez tenha mencionado algo a respeito.
― Claro. Claro que ela ensinou. Dou-lhe meia dúzia de rosas: duas vermelhas, duas amarelas e duas brancas. Não possa fazer melhor que isso, posso? Colocarei uns raminhos de cipreste e umas folhas de avenca ― elas adoram. Ótimo. Ou prefere o buquê por um dólar?
― Elas? ― perguntou o rapaz, ainda sorrindo.
― Meu jovem amigo ― disse o vendedor de flores, jogando o cigarro na sarjeta e retribuindo o sorriso ―, em maio, ninguém compra flores para si mesmo. É uma lei nacional, entende o que quero dizer?
O rapaz pensou em Norma, em seus olhos felizes e surpresos, em seu doce sorriso, e meneou ligeiramente a cabeça. ― Creio que entendo, por sinal.
― Claro que entende. O que me diz, então?
― Bem, o que você acha?
― Vou-lhe dizer o que acho. Ora! Conselhos ainda são gratuitos, não são?
O rapaz tornou a sorrir e disse:
― Creio que é a única coisa gratuita que resta no mundo.
― Pode ter absoluta certeza disso ― declarou o vendedor de flores. Muito bem, meu jovem amigo. Se as flores forem para sua mãe, leve para ela o buquê. Alguns junquilhos, alguns crocos, alguns lírios-do-vale. Ela não estragará tudo, dizendo: "Oh, meu filho, adorei as flores, mas quanto custaram? Oh, é muito caro. Será que ainda não sabe que não deve desperdiçar seu dinheiro? "
O jovem jogou a cabeça para trás e riu.
O vendedor de flores continuou: ― Mas se forem para sua pequena, é muito diferente, meu filho, e você sabe muito bem. Leve-lhe rosas e ela não se transformará num guarda-livros, entende? Ora! Ela vai abraçar você pelo pescoço e...
― Levarei as rosas ― disse o rapaz. Então, foi a vez de o vendedor de flores rir.
Os dois homens que jogavam níqueis olharam para ele e sorriram.
― Ei, garoto! ― chamou um deles.
― Quer comprar barato uma aliança de casamento? Venderei a minha... não a quero mais. O jovem sorriu, corando até as raízes dos cabelos escuros. O vendedor de flores escolheu seis rosas de estufa, aparou os talos, borrifou-as com água e embrulhou-as num comprido pacote cônico.
― Hoje à noite o tempo será exatamente como você quer ― anunciou o rádio. ― Tempo bom e agradável, temperatura por volta dos vinte e um graus, perfeito para subir ao terraço e olhar as estrelas, se você for do tipo romântico. Aproveite, Grande Nova York, aproveite! O vendedor de flores prendeu as bordas do papel com fita gomada e aconselhou o rapaz a dizer à namorada que um pouco de açúcar adicionado à água na jarra das rosas serviria para conservá-las frescas por mais tempo.
― Direi a ela ― prometeu o jovem entregando ao vendedor de flores uma nota de cinco dólares. ― Obrigado.
― É o meu serviço, meu jovem amigo ― respondeu o vendedor de flores, entregando ao rapaz o troco de um dólar e meio. Seu sorriso se tornou um pouco tristonho:
― Beije-a por mim.

No rádio, os Four Seasons começaram a cantar "Sherry". O rapaz continuou a subir a avenida, os olhos abertos e entusiasmados, bem alertas, olhando não tanto ao seu redor para a vida que fluía pela Terceira Avenida, mas para o interior e o futuro, na expectativa. Entretanto, determinadas coisas lhe causavam impressão: uma jovem mãe empurrando um bebê num carrinho, o rosto da criança comicamente lambuzado de sorvete; uma garotinha pulando corda e cantarolando: "Betty e Henry em cima da árvore, SE BEIJANDO! Primeiro vem o amor, depois o casamento e lá vem Henry com o bebê no carrinho, empurrando!" Duas mulheres conversavam em frente a uma lavanderia, trocando informações sobre a gravidez enquanto fumavam. Um grupo de homens olhava pela vitrina de uma loja de ferragens para uma imensa TV a cores com uma etiqueta de preço de quatro algarismos ― o aparelho mostrava um jogo de beisebol e os jogadores pareciam verdes. Um deles tinha cor de morango e os New York Mets estavam vencendo os Phillies pela contagem de seis a um no último tempo. O rapaz prosseguiu, carregando as flores, sem perceber que as duas mulheres grávidas em frente à lavanderia tinham parado momentaneamente de conversar e o fitavam com olhos sonhadores quando ele passou com o embrulho; o tempo de receberem flores já terminara há muito para elas. Também não percebeu o jovem guarda de trânsito que parou os carros na esquina da Terceira Avenida com a Rua 69 para deixá-lo atravessar; o guarda era noivo e reconheceu a expressão sonhadora na fisionomia do rapaz por causa da imagem que via no espelho ao fazer a barba, onde vinha observando aquela mesma expressão ultimamente. Não percebeu as duas adolescentes que cruzaram com ele em sentido contrário e depois soltaram risadinhas. Parou na esquina da Rua 73 e virou à direita. A rua era um pouco mais escura que as outras, ladeada por casas transformadas em prédios de apartamentos, com restaurantes italianos nos porões. Três quarteirões adiante, um jogo de beisebol de rua continuava animado à luz do anoitecer.
O jovem não chegou até lá; depois de andar meio quarteirão, entrou numa travessa estreita. Agora as estrelas tinham surgido no céu, cintilando levemente; a travessa era escura e cheia de sombras, com vagas silhuetas de latas de lixo. O jovem estava sozinho, agora... não, não totalmente. Um berro ondulante soou na penumbra avermelhada e ele franziu a testa. Era a canção de amor de um gato e isso nada tinha de lindo. Andou mais devagar e consultou o relógio. Faltavam quinze para as oito e a qualquer momento Norma... Então, avistou-a, vindo pelo quintal em direção a ele, usando calça comprida azulmarinho e uma blusa de marinheiro que fizeram o coração do rapaz doer. Era sempre uma surpresa avistá-la pela primeira vez, sempre um choque delicioso ― ela parecia tão jovem. Agora, o sorriso dele brilhou ― radiante. Caminhou mais depressa. ― Norma! ― chamou ele. Ela ergueu os olhos e sorriu, mas... quando se aproximou o sorriso murchou. O sorriso do rapaz também tremeu um pouco e ele ficou momentaneamente inquieto. O rosto acima da blusa de marinheiro lhe pareceu subitamente difuso. Estava ficando escuro... estaria ele enganado? Certamente que não. Era Norma.
― Eu trouxe flores para você ― disse ele, feliz e aliviado, entregando-lhe o embrulho. Ela o encarou por um momento, sorriu ― e devolveu as flores.
― Muito obrigada, mas está enganado ― declarou. ― Meu nome é...
― Norma ― sussurrou ele. E tirou o martelo de cabo curto do bolso do paletó, onde o guardara durante todo o tempo. ― Elas são para você, Norma... sempre foi para você... tudo para você. Ela recuou, o rosto um círculo branco difuso, a boca uma abertura negra, um "Ó" de pavor ― e não era Norma, pois Norma morrera há dez anos. E não fazia diferença. Porque ela ia gritar e ele golpeou com o martelo para conter o grito, para matar o grito. E quando desferiu a martelada, o embrulho de flores caiu-lhe da outra mão, abrindo-se e espalhando rosas vermelhas, amarelas e brancas perto das amassadas latas de lixo onde os gatos faziam um amor alienado no escuro, gritando de amor, gritando, gritando. Ele golpeou com o martelo e ela não gritou, mas poderia ter gritado porque não era Norma, nenhuma delas era Norma, e ele golpeou, golpeou, golpeou com o martelo. Ela não era Norma e por isso ele golpeava com o martelo, como fizera cinco vezes anteriormente. Sem saber quanto tempo depois, ele guardou o martelo de volta no bolso do paletó e recuou para longe da sombra escura estendida nas pedras do calçamento, para longe das rosas espalhadas perto das latas de lixo. Deu meia-volta e saiu da travessa estreita. Era noite fechada, agora. Os jogadores de beisebol tinham voltado para casa. Se existissem manchas de sangue em seu terno, elas não apareceriam por causa do escuro. Não no escuro daquela noite de final de primavera. O nome dela não era Norma mas ele sabia como era seu próprio nome. Era... era... Amor. Chamava-se amor e perambulava pelas ruas escuras porque Norma o esperava. E ele a encontraria. Algum dia, em breve. Começou a sorrir. A agilidade voltou-lhe ao andar quando ele desceu a Rua 73.

Um casal de meia-idade sentado nos degraus do prédio onde morava observou-o passar de cabeça tombada para um lado, olhar distante, um leve sorriso nos lábios. Depois que ele passou, a mulher perguntou:
― Por que você nunca mais tem aquela aparência?
― Hem?
― Nada ― disse ela.
Mas observou o jovem de terno cinza desaparecer na escuridão da noite e refletiu que se existia algo mais lindo que a primavera:


era o amor dos jovens...







quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A casa do barco - "O significado de "Agonia".

" Talvez o preço a se pagar por um estadia no inferno seja alto demais ou talvez seja tão barato, mas tão barato, que todos os seres humanos nascem com uma passagem de ida e quando se dão conta de que estão lá já se torna impossível sair, esse é o jogo. Esse é... O propósito de vida:

- Apenas conseguir pensar em um jeito de sair do inferno. De qualquer forma. Apenas sair..."






Lecter procura alimento em um dos três freezers e se depara com carne enlatada, e bem, carne enlatada podia ser cozida mas sua fome não se importa com o aspecto cru que a carne tinha.
Do outro lado da sala Maggie e Liz estão penteando uma a outra com uma escova que havia em uma das prateleiras. Tom Chawer observa aquilo por alguns segundos questionando a si mesmo a razão por terem uma escova na casa do barco, mas a lâmpada dentro da cabeça é mudada de curso por outras coisas bem mais importantes do que lembrar-se que: trouxe uma escova e não levou de volta para casa, pois realmente estava com preguiça, e acabou por pegar no sono - Era mais ou menos isso que devia ter acontecido. Ele sintoniza o rádio, mas seus olhos permanecem estagnados nas garotas.
A sala é abafada novamente por um som de estática até pequenos grunhidos se tornarem uma voz limpa e com ar de melancolia:

- Observei quando ele abriu o sexto selo. Houve um grande terremoto. O sol ficou escuro como tecido de crina negra, toda a lua tornou-se vermelha como sangue, e as estrelas do céu caíram sobre a terra como figos verdes caem da figueira quando sacudidos por um vento forte!
- E assim diz em Apocalipse 6:12-13 - Freedie Joe disse com a bíblia na mão esquerda e pausando uma página com o um dos dedos. A voz continuara, dessa vez berrando, e Tom acompanhou, imitando:


- O GRANDE DRAGÃO FOI LANÇADO FORA. ELE É A ANTIGA SERPENTE CHAMADA DIABO OU SATANÁS, QUE ENGANA TODO MUNDO. ELE E SEUS ANJOS FORAM LANÇADOS À TERRA!

- Era a vovó que lia para a gente toda vez que íamos aos cultos nos domingos com ela. - Tom diz virando para Freedie e pousando sua mão em seu ombro. - Eu realmente ia para ouvir o pastor, enquanto você trocava olhares com Melissa. A filha do pastor de olhos azuis e loira, parecia que tinha descendência italiana, era o que falavam.
Freedie sorri de uma forma nostálgica se perdendo naquelas memórias por uma fração de segundos. Era como achar um pote de ouro no fim do arco-íris sendo que você não se lembrava que havia um ali, ele pensa e anui com a cabeça.
Suas memórias permanecem longe, ele se lembra:

- Oi Melissa, você vai ao culto no sábado? - O garoto de quinze anos diz, foi seco e sem muitas palavras (isso escondia sua timidez, pelo menos para ele parecia que sim), ruivo, e com um corpo quase formado. Era Freedie Joe que era caçoado pelos amigos como "foguinho" ou "cabeça-de-palito-de-fósforo". Ele tinha vergonha de falar com ela, mas no final de contas ele sempre tomava coragem para falar algo,(por muitas vezes, a mesma coisa) e aquela pergunta, ele realmente tinha que fazer. Se ela não fosse, a igreja não teria graça. E além do mais tinha as reprises com sua avó em casa que lia tudo o que o pastor falara e relia sempre três ou quatro vezes a ponto de um dos netos dizer que realmente já entendeu tudo e ir embora da sala (as vezes tom fingia um dor de barriga, piscava para o irmão, e ele entendia e tentava confirmar).
- Olá Freedie! - Ela sorri pelo canto dos lábios, usava batom vermelho pois o pai permitiu depois de muita insistência. Freedie ficou vermelho quase que instantaneamente. - Sim, eu vou hoje, e você? - Ela diz mantendo o sorriso. - Ele concorda com a cabeça -
E era evidente que ele iria e foi.

Madênia está de pé próximo a porta, mas não tanto, para dar tempo correr se algo chegar perto também. Seus olhos estão no céu, obviamente ela não consegue ver nada, senão a neblina enevoada e quase opaca. Poucos pontos começavam a aparecer no meio daquela fumaça, pontos verdes fluorescentes , e então o rádio falha e retoma ressurgindo de curtas estáticas dizendo:
- O sol ficou escurecido como coberto com roupa de luto, e toda a lua se tornou vermelha como se estivesse ensanguentada;e as estrelas do firmamento caíram sobre a terra, como figos verdes derrubados da figueira por um terrível vendaval. …


Tommy recobra a consciência por algum tempo, levantando-se da cadeira de balanço que agora balança sozinha, pelo o impulso.

O vento muda.

As paredes tornam a tremer mas dessa vez em uma escala maior, o frio passa na barriga de todos, era como derrubar o único forte que ainda os mantinham vivos e deixa-los à deriva. O som dos mil exércitos marchando para o confronto, se tornavam altos como martelos esmagando os ouvidos.
Todos se juntavam em uma espécie de união que englobava Tommy no meio, como se defendendo-o.
Freedie Joe está empunhando um rifle, não seria suficiente e ele sabia, apenas queria alimentar o próprio ego como "o protetor". Idiotice - ele pensa, mas afinal o que ali não era? Uma historinha-de- conto-de-fadas se tornando real, como se o lobo mal realmente existisse e o final de "a chapeuzinho-vermelho" terminasse com a vovó e a netinha inteiramente mutiladas.
A porta da frente é praticamente arrancada para fora, e por sua vez, arremessada, amassada aos pés dos sete, intimidando os pobres corações mais do que já estavam.

Se gritassem, ninguém os escutaria, mas e se escutassem, quem poderia dizer que iriam ajudar?

A força do arremesso derrubou algumas prateleiras e fez com que uma submetralhadora M3 (presente do exército à Freedie Joe Chawer, que participou deste por longos dois anos) caísse aos pés de Lecter, que também segurou firme apontando para o escuro. Mirando no nada, Lecter Humpt e Freedie Joe fazem um sinal com as sobrancelhas, permitindo um ao outro a abrir fogo abertamente. Naquele momento Freedie percebeu seu companheiro de guerra, certamente ele tinha alguma ligação.
Os tiros voam, minúsculas cápsulas que pareciam mosquitos. Os uivos chorosos de animais que estavam sendo acertados dão a Lecter e Joe uma espécie de adrenalina momentânea, os fazendo sorrir.
Mas por quanto tempo aqueles sorrisos iriam durar?

Talvez não muito:

- Viu aquilo, Freedie? Nós pegamos os desgraçados! - Lecter diz amigavelmente.
- Se juntarmos esse arsenal nós conseguimos sair daqui, eles não são imortais, morrem como cachorrinhos medrosos. - Freedie Joe ressalta, esperançoso.
Ao carregarem as armas com os pentes reservas que ficam colados na arma com uma fita adesiva, (uma cortesia de Tom Chawer, em uma brincadeira de dizer que se as balas acabarem era sempre bom ter um plano em mente, mas caso não tiver, "- descer a bala é sempre uma boa alternativa" - Joe se recorda das palavras do irmão), dois dos (Cães?) animais de dentes sobressalentes e estranhamente brilhantes pulam e agarram o pescoço de Madênia, um de cada lado, e depois a arrastam deixando um rastro de suco sangrento pelo caminho, as unhas de Madênia quebram no chão, arrastando consigo do chão um pouco de sujeira no meio dos restos das toscas extremidades dorsais da mão. Ela já não conseguia mais falar, estava se afogando no próprio sangue e se seu agouro grave, ou melhor dizendo, seu gutural úmido pudesse ser traduzido, talvez aquilo seria: - Por favor, me ajudem!
Seus olhos estão fitando todo o resto com um teor de desespero afundando em misericórdia. E suas mãos agarram uma última esperança chamada rodapé na frente da casa onde havia portas, e agora é apenas um vão gelado e só, sombrio atenuado em névoa. Somente. Apenas o tempo de Maggie se agarrar em Liz e virar seus olhos para ela dizendo: - Me desculpe, amiga.


Lá do meio eles ainda podiam ouvir uma risada histérica, uma risada de quem consegue completar sua vingança. Não podiam vê-lo, mas podiam senti-lo, e aquilo tudo era só um presente de cerimônia. Havia mais. Haverá mais.

Todos ainda permanecem imóveis, com olhares de: - Mas que Merd# foi essa?

Naquele momento todos se questionavam o significado de agonia.


Freedie e Lecter continuavam a mirar no vácuo. Liz está abraçando Maggie. Tom Chawer está ao lado de Tommy, no chão, desvairado, que por sua vez sorri inutilmente para Tom e saí do ar novamente, talvez a razão seja o efeito do clonazepam que Freedie providenciou e o deu.
Tom teve uma breve onda de ciúmes de Tommy, apenas porquê ele se manteve fora de sua mente durante aquela cena horrível e agora apagara no chão. Filho da p#@... - Ele pensa, mas depois recosta sua cabeça na parede, sentando-se, e vira o rosto do irmão mais novo de Lecter para o outro lado.


Todos respiram e algumas estão chorando em silêncio.

Uma entrega é devolvida ao remetente:

Apenas um globo, emaranhado de cabelo e sangue em ossos, ligada ao um fio que se chama "espinha dorsal", sem nenhum revestimento de carne, apenas o oco cadavérico e esbranquiçado.


E então todos marcham de volta, tremendo as paredes da casa novamente. É o fim do primeiro encontro.


Um último suspiro é dado, pelo rostos que se encontram apavorados, de Liz e Maggie.





Todos respiram fundo e Freedie usa a própria jaqueta para cobrir o rosto,



eles podem...




finalmente descansar novamente.





(Risos histéricos do escritor.)





- Por ora.






 

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