• |
  • |
  • |

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

William Bradley Montserrat - O outro cara, penúltima parte.



Will chegara à mesa, com os braços entrelaçados pelas costas, junto a Tommy Benn, e isso provocou piadinhas da parte de Lian.
- Estou com ciúmes Tommy, você sabe que eu sou seu amor. - Todos da mesa sorriem descontraidamente, incluindo Becky que estava, desde quando William Bradley saíra para o banheiro, enfeitiçada por aquela tecnologia chamada "celular". De alguma forma Camille havia percebido uma afeição mais monótona no rosto de Will, e apercebera uma gotinha de sangue quase escondida dentro da curva do lábio esquerdo.
- Que merd# é essa no teu rosto, garoto? - Ela fica com os olhos contraídos, fitando-o.
- Ah - Ele põe a mão atrás da cabeça, expressando confusão - Acho que um mosquito me picou no canto da boca, nada demais. - Ele envia-lhe um sorriso de canto de boca, logo após senta-se ao lado de Becky na mesa.
- O que você acha, esse vestido ou esse? - Becky pergunta, mostrando-lhe a tela do celular iluminada com imagens de vestidos para bailes.
- O que você escolher, estará perfeito para mim. - Ele pisca para ela e é retribuído com um beijo molhado de batom vermelho por seus lábios.
- Sua boca está com gosto de sangue, amor.
- "Eu sei que está acabei de merendar um desgraçado antipático, porém muito saboroso. - Bradley pensa, não é ele ali pensando, mas ele ainda estava lúcido para controlar-se. - Já disse, foi o mosquito. - Ele observara de uma forma repetitiva, engraçando-a.
- Maldito mosquito.
- Pois é.
- Vão ficar nesse namorico idiota ou vão comer? - Lian fala fazendo gestos com as mãos, apontando para a comida. - Se não quiserem tudo bem, o sanduíche do Queen's é tão bom que eu provavelmente comeria dois ou três, até quatro. - Ele acena para Bobbie do outro lado do balcão, e ele devolve-lhe com um abanar de vento com seu bloco de anotações.
Bobbie era o dono do restaurante, garçom e dono. Trabalhava seriamente e reconhecia os garotos (com a exceção de William) que sempre andavam por ali por vagas tardes ou noites de sexta.
- Deixa de ser idiota. - Camille rebate com um empurrão de ombro nele.
A conversa é finalizada nas primeiras mordidas nos sanduíches. Do outro lado do balcão, o garçom Bobbie abre um telefone antigo (modelo que abre e fecha) e disca o número do cozinheiro. Depois de alguns pipes que significavam o cell estava chamando, sempre aparecia a mesma mensagem, "Caixa postal, deixe recado após o sinal" - Estava muito barulho no Queen's naquele início de noite, mas se estivesse em um dia vago, onde há um ou dois sentados na mesa que sempre pedem por fritas e sucos prontos na hora, ele ouviria. Dentro do vaso. Abaixo de 94 quilos de gorduras mortas e apodrecendo, deitado com a cabeça virada para cima e recostada na parede que cercava os vasos sanitários, fitando a luz com olhos-mortos.
Bradley cuidou disso. Na verdade. Ele cuidou de tudo.
Ele passa a língua abaixo dos lábios superiores depois de engolir uma mordida do sanduíche, mas não é o gosto do pão com carne de hambúrguer e todos os demais componentes que estão lá dentro incrivelmente assados, mas sim, aquele sangue que ficou na sua boca e mente.
Will lembra das palavras em francês que a professora havia ensinado para turma no primeiro semestre de prova:
"délicieux, savoureux, remarquable". - O que seria... "delicioso, saboroso, marcante".
Como ele pensou, não fora preciso poucos litros de sangue ou poucos milímetros, até mesmo ouvir aqueles badalares de medo surgir de dentro do coração do pobre homem, foi preciso apenas sentir o cheiro de sangue.



Apenas esse simples gesto despertou a loucura em sua cabeça, a fome. Will se pega recordando:
- Aí cara, tem cigarros aí? - O cozinheiro diz.
- Não, foi mal.
- Problemas na urina, não estou conseguindo botar pra fora, saca? - Ele diz levantando as sobrancelhas. - Então um cigarrinho ia bem para relaxar.
- Eu entendo, gostaria de poder ajudar, mas não tenho nada e nenhum de meus amigos fumam. - William responde.
O cozinheiro adentra uma das portas e fecha-a, deixando a tranca rodar de "livre" para "ocupado".
Levanta as tampas do sanitário e se senta. Respirando fundo, alto demasiadamente. William  escuta, da mesma forma que escuta as batidas aceleradas do coração dele, como se estivesse acabado de correr 12 quilômetros sem perder o pique. Ele começa a cantar Happy-Days e aquela canção ecoa por dentro do banheiro e se abafa diante dos forros de gesso do teto. Will Bradley liga a torneira para prestar atenção em outra coisa senão aquele coração pulsante que provavelmente viria a óbito por infarte.
Uma infame voz vêm a ele e ele sabe como se chama:
-"Está sentindo o cheiro da urina sangrada dele? É um pobre homem, dê a ele uma morte digna. Vamos lá Will eu sei que você quer." - William iniciara uma canção, "Society - Eddie Vedder", para descontrair aquela mente perturbada. Mas é em vão.
Ele escuta aquelas badaladas e vai passando uma mão por cima da outra de forma gananciosa, elas aceleram e aceleram como o coração de um cavalo em corrida. Ele canta a música mais rapidamente. E olha pelo reflexo do espelho.
Vê a si próprio pulando a porta do banheiro e frases do tipo "O que quer aqui cara?", "Não vê que estou ocupado?". Tudo acontece muito rápido, e sangue espicha no teto. Tudo acontece dentro daquelas portas e ele se sente preso do outro lado do espelho. Vira de costas em um lado inverso ao que estava, dentro do espelho, a porta sai de "ocupado" para "livre", seus dedos tocam o buraco na porta que servia como uma maçaneta invisível para abrir e fecha-la quando quisessem, ela vai se abrindo lentamente conforme Will anda para ver o que tinha acontecido ali.
Ele vê o sujeito em um estado péssimo e limpa tudo: O teto, as portas, e usa um pano de chão encontrado próximo a porta. Cobre o rosto do sujeito com o mesmo, mas o pano está escorregadio e cai no chão. Ele dá passos largos para trás e põe as mãos sobre a pia - recostando-se. Respirando fundo.





















quarta-feira, 30 de setembro de 2015

William Bradley Montserrat.- E o outro cara.


Mate para viver ou acabe com a sua própria vida, mas não deixe-o te pegar. Pois o desejo que isso não estivesse acontecido será bem maior do que o medo de morrer.






Lá estava ele de pé encarando a coisa. Não conseguia ver o final de suas extensões por uma camuflagem chamada "escuro". Pois ali, estavam glóbulos brancos em um corpo de pêlos. Dentes deformados, arqueados para lados distintos, além destes, duas presas - as únicas partes dentárias retas.
Estava lá sem fazer um som. Mas ele sabia que seu medo o trairia e o faria correr para longe.
Naquele momento sua imaginação foi embora e aquela fera diante do espelho também.
Ele estava sozinho, porém vivo, mas...

por quanto tempo?





A aula de biologia já estava pela metade. Deeds Stomps, ou se preferir,(por um breve momento é claro, ele não queria ser chamado assim), Starkley Dimmon Stomps.- Ele sabia que era um nome péssimo. - Leves e mesquinhos cabelos acendrados em tons não-tão-brancos, arqueados para trás decerto com um gel vagabundo - Deixando as bordas capilares das extremidades - direita e esquerda - à desejar. Fazia o jeito Louco "einsteiniano".
Suas roupas, paletó de lã e um colete tricotado também a base de lã, o faziam parecer um cara extremamente culto. Mas as bebedeiras nos sábados e domingos podiam desmentir.
Seu vocabulário era abrangente de:
"Sim, pois não" e "obséquio/benevolente" e um pouco de "camaradas/camaradagem",
mas claro, somente nos dias que dava aula naquela escola, o que dava a ele 4 dias de palavras como:
"C*zão","Vad!azinha","Tiras"(sim ele ainda chamava "policiais" de tiras), "Mordefronha" assim dessa forma como uma palavra só. O resto dá para adivinhar facilmente. Ele falava como Rod Stewart cantava, em uma versão menos ga#y e rouca.
- Abram vossos livros na página 171 por obséquio.- A sala é abafada por sons de papéis densos dobrando-se ressoadamente e alguns tiques de canetas.- Gratificado! - Suas mãos estão abertas livremente por cima da mesa de professores diante dos alunos. Seus olhos fitam a matéria daquele dia no papel rotineiro. - Iremos falar hoje de algumas espécies de morcegos hematólogos. - Ele reajusta os óculos fundo-de-garrafa para nivelar com os olhos castanhos. Seus olhos desviam-se para a janela de vidro e ele pensa consigo que podia estar bebendo no bar do Z,"talvez se eu pudesse correr até o corredor e driblar a diretora que há essa hora está de pé no corredor igual a um espantalho, então, o resto não seria problema algum. São apenas 7 quilômetros até o Z, e quando passar da faxada da escola eu poderia ir andando tranquilamente." - Mas o pensamento se esvai e novamente ele toma à olhar para toda a turma do fundamental dois, 9° ano. - "Que besteira... Eles precisam de mim mais do que eu deles, não posso fazer isso."

Aquele assunto trouxe arrepios da nuca até o fim das costas para William Bradley. Pois memórias lhe levavam para 1752, 1791, 1858 e 1931, períodos esses que algumas pessoas o feriram e ele quase morreu, quase se foi de verdade, para sempre.
Fogos, comparações, prata, acusações. Depois de 1858, ele jamais quisera voltar a obter talheres de prata em casa, isso lhe era como "alimentar-se" com veneno. Era estranho naquele castelo que morava, tão alto e extenso, os talheres fossem de plástico ou metal. A verdade era que ninguém cozinhava mesmo, e somente William tentara ser normal. Mas, naquele mesmo ano, meses depois, uma faxineira que fora contratada por meio período duas vezes na semana, estranhamente sumiu. Lógico que os investigadores locais desconfiaram de onde ela trabalhava, o único emprego. Ainda sobrevoava a casa dos 17, e pairava o término da faculdade de ciências aplicáveis, (O dinheiro era somente pela carência do de seus pais, ela era bonita e vinha de pais pobres, precisava do próprio sustento), ela era uma "gênia incubada na pobreza". Elysa Ann, rosto redondo e cabelos cacheados. Sua boca tinha um aspecto molhado em um tom vermelho flamejante. Curvas altamente simétricas e perfeitas. William ainda tentara dominar seu desejo por carne humana, demorou muito para que isso se tornasse real. A princípio um garoto de aspecto jovem morando sozinho em um castelo que pertenceu a lordes antigo era de fato estranho. O mais estranho foi ter encontrado o corpo.
Seminu e sem algumas partes do corpo, tais como: O PESCOÇO - arrancado e separado do tronco e cabeça. Porém sem sinal de lâminas. ANTEBRAÇOS - Separado das mãos e bíceps. E finalmente as pernas. Estavam intactas. Mas no meio. Na região sexual (foi preciso alguém ter que limpar todo o sangue ao redor do corpo e estancar aquele chafariz macabro, para depois remover a blusa apenas cortando com uma tesoura, que tinha um desenho de uma boca e uma língua no meio deles - devia ser uma dessas bandas de rock que jovens de 17 menos curtem). E então temos um ESTÔMAGO destroçado. Entranhas estavam para fora(eles estranharam o tamanho da barriga - gorda - em um corpo bem magro e saudável). E o pior veio depois... Ninguém dos legistas haviam realmente tocado no corpo. Porque se tivessem... Teriam visto o estrago verdadeiro. O corpo parecia um travesseiro de plumas(com exceção do estômago) , que se apertasse bem teria noção que nenhuma pluma estaria ali, apenas uma pele seca de sangue e vazia de todo o resto. Isso explicava claramente a foto que a mãe dela mostrou aos investigadores - Elysa na praia com os amigos com um tom de pele queimado, certamente frequentava praias, jogando vôlei com um óculos de sol na cara e aquela maldita blusa.
Era como se aquela blusa fizesse apologia de que alguém ou algo que fizera aquilo estivesse gostado bastante, passando a língua nos lábios. Saboreando-os.
William pensa consigo;
"Mas foi gostoso. Tudo na verdade. Desde de os gritos berrantes de súplica pela própria vida. Até ela ter acertado minha cabeça com uma pá achando que tinha me matado, e depois eu voando em cima dela simplificando toda a história, fatalmente, o final mais esperado de todos...".
Bradley era um cara legal, meigo. Jamais se recusara a ajudar alguém quando essa pessoa estava realmente precisando.
Mas o outro cara.
Ele assentiu para o reflexo no espelho com os longos cabelos atrás e curtos e cortados na frente também caídos na testa. Negros como o reflexo.
Alguém lá vai surgindo dentro da escuridão, de repente toda a sala estava afundada em uma ausência de luz, o tempo parou. do outro lado "o outro cara" sorri para ele.
- O outro cara. - Ele solta em um tom de sussurro.






- Morcegos hematólogos podem se alimentar de sangue humano mas acontece raramente. - Deeds diz, apontando com a varinha indicadora à algumas anotações na lousa. - Talvez uns caipiras ou viajantes que estão indo pela a primeira vez para alguma viagem à grutas ou florestas. Indo de encontro ao habitat deles. Se raramente eles mordem humanos, então também, raramente o encontro é fatal. Sabemos que nossos camaradas não podem se alimentar de todo o líquido sanguíneo de uma vez só, mas em camaradagem com seus outros amigos famintos, se assim posso dizer, eles fazem estrago. Fazem uma verdadeira bagunça.
"-Isso é verdade não é? William." - Do outro lado, no seu reflexo, aquilo lhe contava.
Era preciso somente um cheiro de sangue, o resto era liberado por quase um século sem provar gosto de sangue animal ou humano. Ele era um sanguessuga diferente. Se ele se conter, sem incidentes, gados sumidos e encontrado mortos á quilômetros de distância, humanos desaparecidos e depois descobertos de uma forma deplorável, então ele poderia sobreviver comendo comida normal de um ser humano. O grupo de ufologia adolescente da rua - Plentz, 98 - culpava logicamente os alienígenas (se houvessem os amiguinhos raivosos de outros planetas e descobrissem o que William vinha fazendo, certamente o próximo a sumir seria ele).
Era como uma ânsia forte crescendo e crescendo dentro de si. Sob duas salas de distância, vinte e cinco metros retos, alguém se corta com um papel, o polegar derrama algumas gotinhas de sangue. William Bradley sente o cheiro.
Uma risada em silêncio de algo dentro de si o diz:
"- Você poderia me libertar, não é? Imagine o sangue. Vermelho vivo. É puro, eu reconheço, um sangue infantil. Este não têm nem pêlos no saco ainda - Sangue virgem é o melhor - é como aquela sobremesa de pudim ou gelatina que você encontra em um dia quente - É refrescante! 
Imagine William... Aquela caixa de suco ambulante. Poderia espremê-lo como uma fruta, até então sentir o seu suco descer por sua boca. Depois a carcaça nós jogaremos em um buraco, ou em um triturador tamanho grande. Imagine William, Imagine. 
Apenas imagine".

Algumas horas depois:
Deeds Stomps estava sentado na sala dos professores, que coincidentemente era vizinha a sala que havia dado aula. Está em um clima de fim de aula com todo o barulho dos alunos conversando, rindo e berrando - Ele não via razão para a qual aqueles garotos faziam aquilo, certamente o assunto "palmatórias e rigidez" passavam de longe por suas casas. Ele não culpa-os, pois aqueles tempos foram de fato horríveis.
- Professor, pode dar uma palavrinha comigo? - William estava de pé na porta com a mão na maçaneta quase adentrando a sala, esperando apenas um olhar de aprovação.
-"Na verdade não" - Deeds pensa. Logo depois vem algo mais cansado a mente. "Ah, eu não vou falar isso" - Sim, meu camarada, o que se passa?
- É sobre a aula de hoje.
- Não anotou a agenda, ou talvez, não anotou os exercícios. Você estava desviado hoje, eu percebi. Mas se for somente isso, poderá pedir aos seus amigos, sabia? Um segredo entre nós, eles não mordem.
Um sussurro quase automático sai de imediato a essa afirmação - "Mas eu sim".
- O que disse, Will?
- Eu disse, "não é nada disso".
- Então, qual o seu interesse nisso?
- Os morcegos, hemafolos.
- Hematólogos, Will...
- Sim perdoe-me. "Hematólogos" - Os dedos de William fazem um sinal de aspas, um tipo de mini-deboche. - Eu gostaria de saber se eles mordem tudo que está pela frente ou se há algum tipo de limitação ou talvez um tipo de autocontrole de quem morder.
- Aonde quer chegar William? - Sua face muda de feliz para um jeito duvidoso em poucos milésimos.
- Se existe alguma limitação para o que eles mordem, saca? Se há algo que eles não fazem, não sei se eles caçam sempre. Eu quero saber o que substitui o sangue. - O rosto de Deeds se espanta com aquilo em um sessão de pés tremendo e pernas cruzadas e os olhos um pouco esbugalhados.
William percebe que está quase entregando o jogo, e recobra-se, consertando:
- É para uma pesquisa de um cursinho que estou fazendo, aproveitando a aula, não têm pessoa melhor para perguntar a respeito do que meu próprio professor.
Aquele espanto vai embora e William respira por dentro em sinal de alívio.
- Ah e porque não disse antes? Tome pegue isto. - Atrás deles há uma estante de livros e ele deda um e puxa com o indicador, ele cai sobre a palma de sua mão, logo, ele estica para dá-lo para Will.
- O que é isto?
- Leia homem!
- Universos de voadores, Vol.1?
- Tudo o que precisa, não somente sobre morcegos mais sobre todo o resto.
Will observa um pouco a capa de couro do livro. E se dá conta de abrir e olhar o sumário para ver onde estava a parte que falava sobre morcegos.
- Página 76, tipos de morcego, alimentações e habitats.
-"Veremos o que eu como, estou com fome a bastante tempo... William, 
seja bonzinho. Alimente-me."

William Bradley estica os pés em cima da mesa de casa, dentro de seu quarto. Não era um castelo como antes, eles haviam queimado aquele, mas era uma casa com uma aparência americana. Os móveis eram atualizados, nada de formações rústicas, era algo sofisticado e caro. Paredes pintadas, não mais madeira. Um forro de gesso no teto. Seu quarto tinha papel de parede, uma família amarela sentada em um sofá - (era isso que jovens daquela época gostavam de assistir.) Ele havia pesquisado sobre aquela época em um laptop depois de terminar o curso de informática quando ingressou de volta à cidade, passou décadas escondido na floresta, e tinha que se adaptar ao núcleo humano novamente. Vendeu o baú de jóias que levou consigo, do castelo, para a floresta. Ele não sabia que as pessoas comprariam aquelas velharias por muito dinheiro, bem mais alto do que comprou, tanto dinheiro que não tinha onde colocar tudo que recebeu.
- Bem vejamos... - Seus polegares circulam a capa do livro, sua mão direita abre e a esquerda vai até a boca para roer as unhas.


Página 76 -

Insetívoros
Alimentam-se de mosquitos, mariposas, besouros, baratas e outros insetos, capturando-os em pleno vôo.

Polinívoros/Nectarívoros
Alimentam-se de néctar, pólen e, às vezes, de parte florais.

 Frugívoros
Alimentam-se basicamente de frutas.

 Carnívoros
Alimentam-se de peixes, rãs, camundongos, aves e outros morcegos.

 Piscívoros
Alimentam principalmente de peixes, mas inclui também em sua dieta crustáceos e insetos.

 Hematófagos
Alimentam exclusivamente de sangue.

Obs: Há um tipo de morcego que se alimenta de tudo isso. Um alimento substituindo o outro conforme sua necessidade, de alguma forma, é um tipo de anomalia genética e é muito raro acontecer. Estima-se 0000000000000000000000000000000000000000000000000000001% tem chances de ser um morcego assim. Apenas um único animal assim na história foi capturado, analisado e registrado, dando a ele o nome de um personagem fictício do cinema - Sim, Conde Drácula.
E pode ser bem menos que esse valor, pois, com base nos estudos da genética do animal, certamente poderia ter sido fruto de outra união anormal entre animais de diferentes alimentação, tais como:
Hematófagos+frugívoros.
Carnívoros+ Piscívoros.
E etc.
Tentaram fazer um morcego assim, utilizaram um hematólogo, o alimentando com todos os tipos de comida, durou 5 meses até ele ser encontrado em estado vegetativo dentro da gaiola. Estudos disseram que ele não sentia gosto dos alimentos e seu organismo se adaptou, por ora, logo depois rejeitou sentindo uma saudade mútua de sangue.
William rejeitou o resto. Era informação inútil.
- "Então eu só preciso tentar, alimentar normal, sem mais sangue;animal ou humano;nada. Apenas tentar." - Ele pensa.

Ele estava no Queen's, um restaurante de comida rápida. Sentado uma hora observando o cardápio outra observando o cozinheiro que assava batatas fritas no óleo e as escorria em um escorredor inox. Ele também observava William. E parecia um robô também - observando-o sempre, e assando as batatas sem precisar olhar.
- William, já escolheu amorzinho? - Becky diz. Uma loira de olhos azuis e cabelos relaxados até a cintura. Ela era do tipo "dada à todos", não fazia o tipo de William, até por que ele não tinha um, mas ele precisava se camuflar novamente, então uma namorada era do tipo, "eu sou alguém de família, faço o que jovens fazem, não coloquem seus olhos gordos em mim". Mas aquele cara da fritura, o que raios ele quer? - Will pensa e então coloca o cardápio sobre a mesa e diz a Becky:
- Eu gostaria de comer o que você vai comer, meu amor.
Bradley faz uma análise mental de todo mundo que está ao seu redor em sua mesa:
Comigo estão mais dois casais, Tommy Benn e Jenny Torbes , Lian Silvestein e Camille Noobysin.
Tommy era loiro e tinha olhos castanhos, não era muito de papo. Jenny era a divertida do grupo e rira sobre quase tudo, sua melhor amiga Camille era totalmente ao contrário, usava roupas pretas e não sorrira muito - era surpresa para qualquer amigo quando ela abrira a boca e você podia ver pequenos quadrados metálicos. Eles falavam algo do tipo "Camil você usa aparelho?", e ela pensava em dá uma resposta curta e grossa como "Claro seu retardado, não vê?, mas a resposta era longe disso, "Sim, faz mais de um ano" - Ela tinha amigos que estavam próximos bem mais que um ano e até eles não sabia da existência desse aparelho. Lian era forte e definido, atraía muitos olhares das outras mesas, garotas das quais olhavam para ele e ele sempre retribuía o favor com uma piscadinha quando Camille não estava olhando. Becky era muito amorosa, se entregava muito fácil a alguém. E é só. Suas curvas são encontradas em qualquer modelo, mas aquele jeito de morder os lábios enquanto fixava os olhos em algo é único.
- Eu preciso ir ao banheiro pessoal, volto já. - Will diz.
- Limpa bem essa bunda! - Lian diz. Tommy apenas olha de lado de um jeito esquisito e ri.
- Não quero mãos sujas de fezes tocando a comida, isso me dá nojo. - Camille diz, e Jenny apenas a observa com um olhar bravo. Becky não liga muito, está ocupada no whatsapp com os amigos e não dá bola para as bobagens que seus amigos dizem.
- O que é? Apenas dei minha opinião... Não pode nem fazer isso agora? - Ela continua com o olhar bravo sobre Jenny mas tudo é apagado com o garçom chegando e puxando de dentro do bolso o seu bloco de pedidos.
- Já se decidiram?
- Batatas fritas e hambúrguer de frango com catupiri. - Tommy diz e olha para Jenny. - E para minha gatinha um frango empanado, não é isso amor? - Ele passa a mão no cabelo dela em um gesto afetivo. Ela afaga as bolas dele por baixo da mesa e ele dá um pulinho sentado. Depois ela anui pra ele com a cabeça.
- Sim e o que mais, vocês três vão querer alguma coisa? - Camille observa o estofado vermelho vivo onde todos estão sentado e diz em um sussurro para si mesmo "eu odeio essa cor". Lian responde por ela que vão querer o mesmo do que os amigos pediram.
- E você mocinha? - Bobbie diz.
Becky ainda estava no cell e não prestou atenção no que Bobbie disse. Tommy estala os dedos diante dela, como um hipnotizador faz para acordar alguém do transe.
- Aê retardada! - Ela acorda daquele mundo virtual e o observa confusamente. - Ele perguntou o que quer.
- Ah sim, me desculpa - ela bate a ponta do celular touch na cabeça de forma patética para simbolizar o quanto estava desleixada. - Vou querer duas sodas de limão e... - ela olha para o cardápio na mesa pela ponta dos olhos, pois ela ainda não tinha se decidido o que realmente iria querer, Will passou a maior parte do tempo com o cardápio, então... - Ela chega a uma conclusão. - Dois hambúrgueres especiais, mas sem muitas ervilhas nos dois.
Bobbie sai andando de costas por um momento e dando a frente para a bancada novamente, abrindo a tábua que servia tanto de porta quanto de mesa no balcão. Some depois da cortina onde dava para a cozinha.
Lian faz uma piadinha de garçom, da qual somente ele ri.
Está lotado naquela noite no Queen's. Pessoas entram e saem constantemente. Afinal a comida saíra em pouco mais de dez minutos, por isso o restaurante era apelidado de "O mais rápido da cidade e gostoso" pelos jornais locais.
Se inicia uma guerra de canudos na mesa entre Tommy e Lian. As garotas conversam sobre roupas e variedades da moda.
O cara que assava as fritas fora substituído porque havia ido ao banheiro e ou talvez fumar um cigarro do lado de fora e não voltou mais, afinal, as coisas não podiam parar, clientes com fome são clientes nervosos e clientes bravos não costumam pagar pelo o que comem, apenas vão embora.
Dentro do banheiro, alguém está imóvel sentado no aparelho sanitário. Suas calças não estão caídas. Suas pernas estão esticadas para ambos os lados.
William está diante do espelho alisando os cabelos para traz. Pelo canto de sua boca uma gotinha de sangue escorre.
"Ótimo Will... Esse é você. Esse somos nós." - Uma breve aura dentro do espelho diz e some. Pensamentos ficam distantes quando alguém bate na porta.
- Ei cara, está com dor de barriga é? A comida já chegou. - Ele reconhece a fala de Tommy de longe, "aquele cabelo loiro partidinho como se fosse uma mulherzinha". - ele pensa.
Tommy abre a porta. - Aê mano que merd# é essa no seu rosto?
- Uma mosquito me picou no rosto cara, apenas.... um patético mosquitinho. - Will pisca para ele depois de dizer. De uma forma convincente. Esperando uma piadinha patética.
- Ainda bem. Porquê se fosse em outro lugar, você não ia gostar. - Ele estende a mão sobre o ombro de William Bradley. Os dois saem do banheiro como se fossem irmãos, ligados pelo braço nas costas.
Dickinson está sentado no aparelho olhando para a luz, sua garganta totalmente dilacerada. Embora fosse negro, naquele momento, ninguém podia dizer como era seu tom de pele. Estava um tom adoecido.
Will repete a frase em seu consciente.
-"Apenas um mosquitinho patético". - dessa vez, ele ri incontrolavelmente entrelaçado com Tommy, o apertando forte. Tommy ri de volta para ele, inocentemente.
- "O próximo será você Tommy."








 - continua...









30/09/15 - Próxima postagem amanhã, dia 01/10/15.


Uma boa noite.
....





domingo, 27 de setembro de 2015

Caminhões - Stephen king's short story -


O nome do sujeito era Snodgrass e percebi que se aprontava para fazer alguma maluquice. Arregalara os olhos, mostrando o branco, como um cão prestes a brigar. Os dois garotos que entraram derrapando no estacionamento com um velho Fury tentavam falar com ele, que mantinha a cabeça inclinada para um lado como se estivesse ouvindo outras vozes. Tinha uma barriguinha de chope que aparecia sob o terno de boa qualidade que já estava começando a ficar brilhante nos fundilhos das calças. Era um vendedor e mantinha a maleta de amostras perto de si, como um cão de estimação adormecido. ― Tente o rádio outra vez ― disse o motorista de caminhão sentado ao balcão. O cozinheiro de minutas sacudiu os ombros e ligou o rádio. Tentou sintonizá-lo em toda a faixa de ondas, mas só conseguiu captar estática. ― Passou muito depressa ― protestou o motorista de caminhão. Pode ter saltado alguma estação. ― Diabo ― resmungou o cozinheiro. Era um negro idoso com um sorriso de dentes de ouro e não encarava o motorista. Olhava para o estacionamento através do janelão que ia de ponta a ponta da lanchonete. Lá fora estavam sete ou oito caminhões pesados, os motores ligados em baixa rotação, num rugido preguiçoso como de enormes gatos ronronando. Dois Macks, um Hemingway e quatro ou cinco Reos. Carretas de transporte interestadual, com inúmeras placas de licença e antenas flexíveis de radio-transmissores curvadas para trás das cabines. O Fury dos garotos estava de rodas para cima no final de compridas e curvas marcas de derrapagem no cascalho do estacionamento. Fora reduzido a um monte de sucata. Na estrada do desvio para a parada de caminhões estava um Cadillac todo amassado, o proprietário olhando pelo pára-brisas estilhaçado como um peixe estripado. Óculos com aros de tartaruga pendiam-lhe de uma das orelhas. A meio caminho entre o Cadillac e o estacionamento jazia o corpo de uma jovem, que saltara do carro ao ver que este ia bater. Conseguiu saltar em pé, mas não teve a mínima chance de escapar. Era a pior de todos, embora estivesse caída de bruços. Uma nuvem de moscas zumbia sobre ela. No outro lado da estrada, uma velha camioneta Ford fora jogada através do guardrail. O acidente ocorrera havia uma hora. Ninguém passara por ali desde então. Da janela era impossível ver a auto-estrada e o telefone não funcionava. ― Girou depressa demais ― protestou novamente o motorista de caminhão. ― Você devia... Foi então que Snodgrass explodiu. Derrubou a mesa ao levantar-se, quebrando xícaras e provocando uma chuva de açúcar. Seus olhos estavam mais desvairados que nunca, o queixo caído. Repetia sem parar: ― Temos que cair fora daqui temos-que-cair-fora-daqui temosquecairforadaqui... O rapaz gritou e sua namorada berrou. Eu ocupava o tamborete mais próximo à porta e o agarrei pela camisa, mas ele se soltou com um arranco. Estava totalmente alucinado. Seria capaz de atravessar a porta de uma caixa-forte de banco. Bateu a porta e começou a correr pelo cascalho, em direção à vala de drenagem no lado esquerdo. Dois dos caminhões partiram no seu encalço, os canos de descarga verticais lançando a escura fumaça de óleo diesel para o céu, as enormes rodas traseiras levantando uma saraivada de cascalho. Snodgrass não poderia estar a mais que cinco ou seis passos da orla do estacionamento plano quando se voltou a fim de olhar para trás, o pavor estampado no rosto. Seus pés se embaraçavam e ele tropeçou, quase caindo. Recuperou o equilíbrio, mas já era tarde demais. Um dos caminhões abriu passagem e o outro atacou, a enorme grade do radiador brilhando selvagemente ao sol. Snodgrass gritou, um som alto e agudo, quase abafado pelo forte ronco do pesado Reo. O caminhão não o derrubou ou arrastou. Na verdade, isto seria melhor. Ao contrário, lançou-o para cima e para o lado, como uma bola de futebol chutada por um jogador. Por um instante, Snodgrass ficou silhuetado contra o céu quente da tarde, como um espantalho mutilado. Depois, sumiu na vala de drenagem. Os freios do enorme caminhão assoviaram como o sopro de um dragão, as rodas dianteiras se travaram, cavando sulcos no cascalho do estacionamento, e o monstro parou antes que a carreta se desgovernasse. Filho de uma puta. A garota no reservado gritou. Virei a cabeça e constatei que o motorista de caminhão apertara o copo com tanta força a ponto de quebrá-lo. Não creio que ele já tivesse percebido. Leite e gotas de sangue pingavam no balcão. O cozinheiro negro parecia petrificado junto ao rádio, um pano de pratos na mão, total perplexidade no rosto. Seus dentes de ouro brilhavam. Por um instante não houve qualquer ruído exceto o zumbido do relógio elétrico de parede e o ronco do motor do Reo que voltava para junto dos colegas. Então, a garota começou a chorar e tudo ficou bem ― ou, ao menos, melhor. Meu carro estava ao lado da lanchonete, também reduzido a sucata. Era um Camaro 1971 e eu ainda estava pagando as prestações. Mas creio que isso já não fazia diferença. Não havia ninguém nos caminhões. O sol brilhava e se refletia nas cabinas vazias. Os volantes giravam sozinhos. Não se podia pensar muito a respeito. Quem pensasse muito naquilo, enlouqueceria. Como Snodgrass. Duas horas se passaram. O sol começou a descer no horizonte. Lá fora, os caminhões patrulhavam em círculos lentos, ou descrevendo oitos. As luzes de estacionamen-to e as lanternas se haviam acendido. Percorri duas vezes o comprimento do balcão, a fim de desenferrujar as pernas, e depois fui sentar-me num reservado junto à grande janela da frente. Era uma parada de caminhões típica, próxima à rodovia principal, instalações completas de serviços nos fundos, com bombas de gasolina e óleo diesel. Os motoristas de caminhão vinham ali para comerem tortas e tomarem café. ― Moço? A voz era hesitante. Virei-me. Eram os dois garotos do Fury. O rapaz aparentava dezenove anos. Tinha cabelos compridos e uma barba rala, que só agora começava a engrossar. Sua namorada parecia ainda mais moça. ― Sim? ― O que lhe aconteceu? Sacudi os ombros. ― Eu vinha para Pelson pela rodovia interestadual ― respondi. ― Um caminhão vinha atrás de mim ― pude vê-lo de longe pelo retrovisor ― com o pé na tábua. Era possível escutá-lo a um quilômetro e meio de distância na rodovia. Ultrapassou um Volkswagen e o jogou para fora da estrada com uma rabada da carreta, da mesma maneira que a gente joga uma bola de papel para fora da mesa com um peteleco. Pensei que o caminhão também fosse sair da estrada. Nenhum motorista conseguiria controlar uma carreta rabeando daquela maneira. Mas não saiu. O Volkswagen capotou seis ou sete vezes e explodiu. E o caminhão apanhou o próximo carro da mesma forma. Aproximava-se de mim e tratei de pegar depressa a rampa de saída. Ri sem entusiasmo, concluindo: ― Vim dar bem numa parada de caminhão, dentre todos os lugares possíveis. Pulei da frigideira e caí no fogo. A garota engoliu em seco. ― Vimos um ônibus Greyhound na pista da contramão. Passava... por cima dos carros. Explodiu e incendiou-se, mas, antes disso, foi... uma carnificina. Um ônibus Greyhound. Era novidade ― e ruim. Lá fora, todos os faróis se acenderam de repente ao mesmo tempo, banhando o estacionamento numa luz fantasmagórica, sem profundidade. Grunhindo, os caminhões continuavam a patrulhar de um lado para outro. Os faróis pareciam dar-lhes olhos e, na crescente penumbra do crepúsculo, as escuras carrocerias das enormes carretas pareciam os ombros quadrados e encolhidos de gigantes pré-históricos. O cozinheiro indagou: ― É seguro acender as luzes? ― Acenda e logo saberemos ― repliqueis. Ele acionou os interruptores e uma série de globos sujos de moscas se acendeu ao longo do teto. Ao mesmo tempo, um letreiro fluorescente situado lá fora piscou e começou a anunciarem luzes coloridas: "Parada de Canvnhões & Lanchonete Conant's ― Boa Comida." Nada aconteceu. Os caminhões prosseguiram o patrulhamento. ― Não consigo entender ― disse o motorista de caminhão, que descera do tamborete junto ao balcão e andava de um lado para outro, a mão enrolada num grande lenço vermelho. ― Nunca tive problemas com meu carro. Sempre se portou bem. Parei aqui um pouco depois de uma hora, para comer um prato de espaguete e acontece isso ― gesticulou com o braço e a ponta do lenço drapejou como uma bandeira. ― Meu caminhão agora está lá fora, aquele com a luz traseira esquerda meio apagada. Rodo com ele há seis anos, mas se eu puser os pés fora daquela porta... ― Isso é só o começo ― disse o cozinheiro, os olhos semicerrados e um tanto vidrados. A coisa deve estar feia, se o rádio parou de funcionar. É apenas o começo. A garota estava branca como leite. ― Isso não interessa ― disse eu ao cozinheiro. ― Pelo menos por enquanto. ― O que causaria isso? ― indagou o motorista de caminhão, preocupado. ― Tempestades elétricas na atmosfera? Testes nucleares? O quê? ― Talvez estejam zangados ― respondi. Por volta das sete horas, aproximei-me do cozinheiro. ― Em que condições estamos aqui? Quero dizer, se precisarmos permanecer por algum tempo. Ele franziu a testa. ― Não muito mal. Ontem foi dia de entregas. Recebemos trezentos bifes para hambúrgueres, frutas e legumes em conserva, cereais, ovos... só temos o leite que está na geladeira, mas a água é do poço. Se for preciso, nós cinco poderemos ficar aqui mais ou menos um mês. O motorista de caminhão se aproximou e piscou para nós. ― Meus cigarros acabaram. Ora, aquela máquina de cigarros... ― A máquina não é minha ― disse o cozinheiro. ― Não, senhor. O motorista trazia consigo uma barra de aço que pegara no depósito dos fundos. Começou a trabalhar na máquina de cigarros. O rapaz encaminhou-se à iluminada vitrola automática e enfiou uma moeda na fenda. John Fogarty começou a cantar sobre ter nascido no bayou. Sentei-me e olhei pela janela. Avistei imediatamente algo que não me agradou. Uma leve pick-up Chevrolet juntara-se à patrulha, como um pônei em meio a grandes cavalos de tração. Observei-a até que ela passou imparcialmente sobre o cadáver da moça do Cadillac. Então, desviei o olhar. ― Eu os fabriquei! ― gritou a garota com súbito desespero. ― Eles tão podem! O namorado mandou-a calar a boca. O motorista conseguiu arrombar a máquina de cigarros e pegou seis ou oito maços de Viceroy. Distribuiu-os por diversos bolsos e depois abriu um maço. Pela expressão de seu rosto, fiquei em dúvida se ele pretendia fumar os cigarros ou comê-los. Outro disco começou a tocar na vitrola automática. Às oito e meia, a energia elétrica acabou. Quando as luzes se apagaram, a garota gritou ― um grito que cessou bruscamente quando o namorado lhe tapou a boca com a mão. O som da vitrola morreu num lamento grave e arrastado. ― Que diabo! ― disse o motorista de caminhão. ― Cozinheiro! ― chamei. ― Tem velas? ― Acho que sim. Espere... sim, aqui estão algumas. Levantei-me e fui pegar as velas. Depois de acendê-las, começamos a distribuí-las pelo salão. ― Tomem cuidado ― adverti. ― Se incendiarmos este lugar, será o diabo. O cozinheiro soltou uma risadinha soturna: ― Você deve saber. Quando acabamos de colocar as velas, o garoto e a namorada estavam encolhidos, muito juntos, e o motorista se postara à porta dos fundos, observando mais seis caminhões pesados que ziguezagueavam por entre as ilhas de concreto onde se situavam as bombas de gasolina e óleo diesel. ― Isto altera a situação, não é mesmo? ― perguntei. ― Exatamente, se a energia acabou de vez. ― Até que ponto? ― A carne estragará dentro de três dias. Os ovos também. As latas e os cereais não serão problema. Mas isto não é o pior. Sem a bomba, não teremos água. ― Por quanto tempo? ― Sem a bomba? Temos água para uma semana. ― Encha todo o vasilhame que encontrar, até esvaziar a caixa. Onde ficam os sanitários? Há água potável nas caixas. ― O banheiro dos empregados é aí nos fundos. Mas será preciso sair para chegar aos banheiros dos fregueses. ― Lá no prédio do posto de serviço? Eu não estava preparado para aquilo. Ainda não. ― Não. Basta sair pela porta lateral e andar ao longo da parede. ― Arranje-me dois baldes. Ele me trouxe dois baldes galvanizados. O rapaz se aproximou. ― Que estão fazendo? ― Precisamos de água. Toda a que conseguirmos. ― Então, arranje-me um balde. Entreguei-lhe um dos meus. ― Jerry! ― gritou a pequena. ― Você... Ele olhou para ela, que calou a boca mas pegou um guardanapo de papel e começou a rasgá-lo nas pontas. O motorista de caminhão fumava um cigarro e sorria para o chão. Não disse nada. Fomos à porta lateral pela qual eu entrara naquela tarde e paramos por um instante, observando as sombras que se movimentavam com o deslocamento dos caminhões. ― Agora? ― perguntou o rapaz. Seu braço roçou no meu e os músculos saltavam e vibravam como arames retesados. Se alguém lhe esbarrasse, ele subiria direto para o céu. ― Relaxe ― disse-lhe eu. Ele sorriu de leve. Um sorriso amarelo, mas melhor que nada. ― Tudo bem. Esgueiramo-nos para fora. O ar da noite refrescara. Grilos cantavam no capim e sapos coaxavam na vala de drenagem. Lá fora, o ronco dos caminhões era mais alto e ameaçador, o ronco de feras. De dentro, parecia um filme. Aqui fora, era real; a gente podia ser morto. Deslizamos ao longo da parede lateral de azulejos. Um pequeno beiral proporcionava-nos alguma sombra. Meu Camaro estava imprensado contra a cerca em frente a nós, a luz fraca do letreiro à beira da estrada refletindo-se no metal e nas poças de gasolina e óleo. ― Vá ao banheiro das mulheres ― sussurrei. ― Encha o balde com a água da caixa da privada e espere. O ronco dos motores diesel não se alterara. Era engraçado: tínhamos a impressão de que os caminhões se aproximavam, mas eram apenas os ecos provocados pelas paredes. A distância até os banheiros era apenas seis metros, mas parecia muito maior. Ele abriu a porta do banheiro das senhoras e entrou. Passei pela porta e logo entrei no banheiro dos homens. Senti os músculos se relaxarem e soltei o ar dos pulmões num assovio. Avistei-me de relance no espelho, um rosto pálido e tenso, com olhos escuros. Tirei a tampa de louça da caixa da privada e enchi o balde. Derramei um pouco de água de volta à caixa, para evitar que se entornasse com o movimento do balde e fui até a porta. ― Ei! ― Sim? ― sussurrou ele. ― Está pronto? ― Estou. Tomamos a sair. Demos talvez seis passos antes que os faróis nos incidissem no rosto. O caminhão se aproximara sorrateiramente, os grandes pneus quase não rodando sobre o cascalho. Estava à espera e agora saltava contra nós, as lâmpadas elétricas dos faróis brilhando em círculos selvagens, a enorme grade cromada do radiador parecendo rosnar. O rapaz ficou petrificado, o pavor estampado no rosto, os olhos inexpressivos, as pupilas contraídas ao tamanho de cabeças de alfinete. Dei-lhe um forte empurrão, derramando metade da água do seu balde. ― Corra! O trovão daquele motor diesel se transformou num grito agudo. Estendi o braço por cima do ombro do rapaz, a fim de abrir a porta, mas antes que eu pudesse alcançá-la ela foi aberta por dentro. O garoto mergulhou por ela e eu o segui de perto. Olhei para trás a fim de ver o caminhão ― um enorme Peterbilt ― beijar de raspão a parede externa azulejada, arrancando trechos irregulares do azulejo. Escutei um barulho de atordoar os ouvidos, como dedos gigantescos arranhando um quadro-negro. Então, o pára-lamas dianteiro e o canto da grade do radiador bateram na porta ainda aberta, lançando uma chuva de estilhaços de vidro blindado e quebrando as dobradiças de aço inoxidável como se rasgassem papel higiênico. A porta voou pela noite como algo num quadro de Dali e o caminhão acelerou o motor em direção ao estacionamento da frente, o escapamento pipocando como uma rajada de metralhadora. Produzia um som raivoso de desapontamento. O garoto colocou o balde no chão e se deixou cair nos braços da namorada, trêmulo. Meu coração batia com força no peito e minhas pernas pareciam feitas de água. E, por falar em água, tínhamos conseguido voltar com o total de um balde e um quarto. Mal parecia valer o risco. ― Quero bloquear aquela porta ― disse eu ao cozinheiro. ― Como o faremos? ― Bem... O motorista do caminhão interpôs: ― Por quê? Um daqueles caminhões enormes não conseguiria enfiar uma roda por ali. ― Não são os enormes caminhões que me preocupam. O motorista começou a procurar um cigarro nos bolsos. ― Temos algumas folhas de zinco no depósito de suprimentos ― disse o cozinheiro. ― O patrão ia fazer um barracão para guardar o gás de butano. ― Vamos tapar a porta com elas e escorá-las com os cavaletes dos reservados. ― Isso ajudará ― concordou o motorista. O trabalho durou cerca de uma hora e, no final, todos nós participamos dele, inclusive a garota. O resultado foi razoavelmente sólido. Naturalmente, razoavelmente sólido não seria o bastante se algo batesse ali a toda a velocidade. Creio que todos nós tínhamos consciência disto. Ainda restavam três reservados alinhados ao longo da grande janela da frente e sentei-me num deles. O relógio na parede atrás do balcão parara às 8:32, mas calculei que devia ser dez horas. Lá fora, o caminhão rondava, roncando. Alguns partiram com destino ignorado, para cumprirem outras missões; outros haviam chegado. Agora, havia três pickups circulando com ar importante entre seus irmãos maiores. Comecei a cochilar e, em vez de contar carneiros, contei caminhões. Quantos havia no Estado? Quantos no país? Carretas, pick-ups, pranchões, basculantes, caminhões comuns, caminhões militares, caminhões às dezenas de milhares. E ônibus. A visão de pesadelo de um ônibus urbano, duas rodas na sarjeta e duas na calçada, rugindo e ceifando os pedestres apavorados como se fossem pinos de boliche. Livrei-me da idéia, estremecendo, e caí num sono leve e intranqüilo. Devia ser alta madrugada quando Snodgrass começou a gritar. A fina lua nova se erguera no céu e brilhava geladamente através de uma alta camada de nuvens. Um novo som se juntara ao barulho lá fora, fazendo contraponto ao rugido grave e preguiçoso dos grandes caminhões. Olhei para lá e avistei uma enfardadeira de feno circulando perto do letreiro apagado. O luar se refletia nos cones afiados do rolo giratório. O grito veio outra vez, inequivocamente da vala de drenagem: ― Socorro... socorro! ― Que foi isso? Era a garota quem perguntava. Nas sombras, seus olhos estavam esbugalhados e ela parecia terrivelmente assustada. ― Nada ― respondi. ― Socorro... socorro! ― Ele está vivo ― sussurrou a pequena. ― Oh, Deus, está vivo. Eu não precisava vê-lo. Podia imaginá-lo perfeitamente bem. Snodgrass caído meio para dentro e meio para fora da vala de drenagem, a espinha e as pernas quebradas, o terno cuidadosamente passado sujo de lama, o rosto pálido e arquejante voltado para a lua indiferente... ― Não escutei nada ― declarei. ― Você escutou? Ela me encarou: ― Como pode ser capaz disto? Como? ― Ora, se você o acordasse, ele talvez escutasse alguma coisa repliquei, esticando o polegar na direção do rapaz. ― Talvez ele fosse até lá. Você gostaria? Suas feições começaram a tremer e contrair-se, como se costuradas por uma agulha invisível. ― Nada ― disse ela. ― Não há nada lá fora. Voltou para perto do namorado e apoiou a cabeça no peito dele. Mesmo adormecido, ele a abraçou. Ninguém mais acordou. Snodgrass gritou, chorou e berrou durante muito tempo. Depois, parou. Raiar do dia. Outro caminhão chegou, uma enorme jamanta para transporte de automóveis. Logo um trator tipo bulldozer se juntou a ele. Aquilo me assustou. O motorista de caminhão se aproximou e me beliscou o braço. ― Venha até os fundos ― sussurrou, excitado. Os outros ainda dormiam. ― Venha ver uma coisa. Acompanhei-o ao depósito de suprimentos. Lá fora, cerca de dez caminhões patrulhavam a parte dos fundos. A princípio, não percebi qualquer novidade. ― Está vendo? ― perguntou ele, apontando. ― Bem ali. Então, eu vi. Uma das pick-ups estava parada. Imóvel como uma pedra; desprovida de toda e qualquer ameaça. ― Sem combustível? ― Exato, companheiro. E eles não podem reabastecer-se sozinhos. Ganhamos a parada. Tudo que temos a fazer é esperar. Sorriu e pegou um cigarro. Era cerca de nove horas e eu comia um pedaço do pastelão da véspera à guisa de café da manhã quando a buzina de ar comprimido começou ― toques prolongados e agudos, que sacudiam o cérebro da gente. Fomos às janelas e olhamos para fora. Os caminhões estavam imóveis, os motores em marcha-lenta. Uma enorme carreta Reo com cabine vermelha viera quase até a estreita faixa de grama que separava a lanchonete do estacionamento. Àquela distância, a grade quadrada do radiador era imensa e assassina. Os pneus eram da altura do peito de um homem. A buzina tornou a soar; toques agudos e famintos, que viajavam em linha reta e ecoavam de volta. Havia um padrão definido. Curtos e longos, em alguma espécie de ritmo. ― Isso é código Morse! ― exclamou de repente o rapaz, que se chamava Jerry. O motorista de caminhão se voltou para ele: ― Como sabe? O rapaz corou um pouco: ― Aprendi na tropa de escoteiros. ― Você? ― perguntou o motorista. ― Você? Puxa! E sacudiu a cabeça. ― Não interessa ― interpus. ― Lembra-se o suficiente para... ― Claro. Deixem-me escutar. Têm um lápis? O cozinheiro entregou-lhe um lápis e ele começou a escrever letras num guardanapo de papel. Depois de algum tempo, parou de escrever. ― Está apenas repetindo incessantemente a palavra "Atenção." Esperem. Esperamos. A buzina continuava a emitir toques longos e curtos no ar silencioso da manhã. Então, o padrão se alterou e o rapaz recomeçou a escrever. Debruçados por cima de seus ombros, vimosa mensagem tomar forma: "Alguém deve bombear combustível. Esse alguém não será molestado. Todo o combustível deve ser bombeado. Isso será feito agora. Alguém tem que bombear combustível agora." Os toques de buzina continuaram, mas o rapaz parou de escrever. ― Está apenas repetindo "Atenção", outra vez ― informou ele. O caminhão repetiu inúmeras vezes a mensagem. Não gostei do aspecto das palavras, escritas no guardanapo com letras de forma. Pareciam máquinas, impiedosas, implacáveis. Não haveria meio-termo com aquelas palavras. A gente obedecia, ou não. ― Bem ― disse o rapaz ―, o que faremos? ― Nada ― replicou o motorista de caminhão. Tinha o rosto excitado, mudando constantemente de expressão. ― Só precisamos esperar ― prosseguiu. ― Todos eles devem ter pouco combustível. Um dos pequenos já parou, lá nos fundos. Só precisamos... A buzina cessou. O caminhão deu marcha à ré, juntando-se aos colegas. Aguardavam em semicírculo, com os faróis apontados para nós. ― Há um bufdozer lá fora ― anunciei. Jerry olhou para mim: ― Acha que demolirão o prédio? ― Sim. Ele olhou para o cozinheiro. ― Não podem fazer isso, podem? O cozinheiro sacudiu os ombros. ― Devemos votar ― disse o motorista. ― Nada de chantagem, com os diabos! Só precisamos esperar. Era a terceira vez que repetia aquela frase, como um encantamento: ― Muito bem ― repliquei. ― Vote. ― Espere ― disse imediatamente o motorista. ― Acho que devemos reabastecê-los ― declarei. ― Podemos esperar por uma oportunidade melhor de fugirmos. Cozinheiro? ― Ficamos aqui dentro ― respondeu ele. ― Querem ser escravos deles? É isso que acabará acontecendo. Querem passar o resto da vida trocando filtros de óleo cada vez que... uma daquelas coisas tocar a buzina? Eu não. Olhou sombriamente pela janela, concluindo: ― Eles que fiquem sem combustível. Olhei para o rapaz e a moça. ― Acho que ele tem razão ― disse Jerry. ― É a única maneira de detê-los. Se alguém fosse socorrer-nos, já teria chegado. Deus sabe o que está acontecendo em outros lugares. E a garota, com Snodgrass no olhar, confirmou com a cabeça e aconchegou-se ao rapaz. ― É isso aí, então ― disse eu. Fui à máquina de cigarros e peguei um maço sem olhar a marca. Havia um ano que eu deixara de fumar, mas aquela me parecia uma boa ocasião para recomeçar. A fumaça me ardeu nos pulmões. Vinte minutos se passaram. Os caminhões aguardavam lá fora. Nos fundos, começavam a fazer filas nas bombas de combustível. ― Acho que foi tudo um blefe ― disse o motorista de caminhão. Apenas... Então, soou um ronco mais alto, áspero e sincopado, o rugido de um motor se acelerando, diminuindo e tornando a acelerar-se. O bufdozer. Brilhava ao sol como uma jaqueta amarela, um Caterpillar com barulhentas esteiras de aço. Vomitava fumaça negra pelo cano de descarga vertical ao girar para ficar de frente para nós. ― Vai atacar ― disse o motorista, com uma expressão de total surpresa estampada no rosto. ― Vai atacar! ― Recuem ― disse eu. ― Para trás do balcão. O trator ainda acelerava o motor. As alavancas de controle movimentavam-se sozinhas. De repente, a lâmina se ergueu, uma pesada curva de aço com torrões de terra ressecados. O calor fazia tremer o ar acima do cano de descarga em chaminé. Com um tremendo rugido de poder, o bulldozer avançou diretamente para nós. ― O balcão! ― gritei, dando um empurrão no motorista de caminhão. Todos se moveram a um só tempo. Havia uma estreita calçada de concreto entre a grama e o cascalho do estacionamento. O trator avançou por cima dela, erguendo momentaneamente a lâmina, e depois esbarrou de frente na parede. A vidraça explodiu para dentro com um barulho estrondoso de tosse e a esquadria de madeira rompeu-se em lascas. Um dos globos do teto caiu, espalhando mais vidro partido. A louça caía das prateleiras. A garota gritava mas o som quase se perdia sob o rugido constante e poderoso do Caterpillar. O trator deu marcha à ré, passando ruidosamente pela castigada faixa de grama, e tornou a ataca, deslocando e espatifando os reservados que restavam. A vitrine de salgadinhos caiu do balcão, lançando pedaços de pastelão a rodopiarem pelo chão. O cozinheiro estava agachado com os olhos fechados e o rapaz abraçava a garota. O motorista tinha os olhos esbugalhados de pavor. ― Precisamos detê-los ― balbuciou ele. ― Diga-lhes que obedeceremos, que faremos tudo... ― Um pouco tarde demais, não acha? O Caterpillar tornou a recuar, preparando-se para nova carga. Novos arranhões em suas lâminas brilhavam ao sol. Tomou a avançar com um tremendo rugido e, desta feita, derrubou a coluna situada à esquerda do que antes era a janela. Aquela parte do telhado ruiu estrondosamente, levantando uma nuvem de pó de reboco. O trator recuou, libertando-se dos escombros. Atrás dele, vi o grupo de caminhões que aguardavam o resultado. Agarrei o cozinheiro. ― Onde estão os barris de óleo? Os fogões da cozinha funcionavam a gás de butano contido em botijões, mas eu vira os duetos de uma fornalha de aquecimento ambiente. ― Nos fundos do depósito ― disse ele. Segurei o braço do rapaz. ― Venha comigo. Levantamo-nos e corremos para o depósito. O trator tornou a atacar e o prédio estremeceu. Mais duas ou três investidas e o Caterpillar conseguiria chegar ao balcão para tomar uma xícara de café. Havia dois grandes tambores de óleo com saídas para a fornalha e torneiras de controle. Perto da porta dos fundos estava uma caixa com vidros de suco de tomate vazios. ― Pegue aqueles vidros, Jerry. Enquanto ele obedecia, tirei a camisa e rasguei-a em tiras. O trator continuava a atacar, cada investida acompanhada pelo barulho de mais destruição. Usei as torneiras para encher quatro vidros e Jerry enfiou nos gargalos tiras da camisa. ― Joga futebol? ― perguntei. ― Joguei no ginásio. ― Muito bem. Faça de conta que está avançando para a linha de gol. Voltamos à lanchonete. Toda a parede da frente estava aberta ao ar livre. Cacos de vidro faiscavam como diamantes. Uma pesada viga caíra diagonalmente através da abertura. O trator recuava para retirá-la e refleti que desta vez ele viria sem parar, arrancando os tamboretes e demolindo o próprio balcão. Ajoelhamo-nos, estendendo as garrafas. ― Acenda ― disse eu ao motorista. Ele tirou os fósforos do bolso, mas suas mãos tremiam tanto que os deixaram cair ao chão. O cozinheiro os apanhou, riscou um e as tiras de camisa se incendiaram. ― Depressa ― disse eu. Corremos, o rapaz um pouco à frente. Cacos de vidro estalavam sob nossos sapatos. Um cheiro quente de óleo pairava no ar. Tudo parecia muito nítido e audível. O trator avançou. O rapaz esgueirou-se sob a viga e ficou silhuetado em frente da pesada lâmina de aço temperado. Fui para a direita. O primeiro lançamento de Jerry foi curto. O segundo atingiu a lâmina e as chamas se espalharam inofensivamente. Ele tentou dar meia-volta mas o bulldozer o alcançou, como um rolo compressor com quatro toneladas de aço. O rapaz levantou os braços e desapareceu, esmagado. Fiz um giro e atirei um dos vidros na cabine aberta e o outro no motor. Ambos explodiram ao mesmo tempo, numa enorme cortina de chamas. Por um instante, o barulho do motor do bulldozer ergueu-se num grito quase humano de dor e raiva. O trator descreveu uma curva louca, destruindo o canto esquerdo da lanchonete, e se dirigiu, como um bêbado, para a vala de drenagem. As lagartas de aço estavam sujas de sangue e onde o rapaz estivera existia algo semelhante a uma toalha amarrotada e embolada. O trator quase chegou à vaia, com as labaredas saindo por baixo do capô do motor e do interior da cabine. Então, explodiu num gêiser de fogo. Recuei e quase tombei sobre uma pilha de escombros. Senti um cheiro quente que não era só de óleo. Cabelos incendiados. Eu estava em chamas. Agarrei uma toalha de mesa, comprimi-a contra a cabeça, corri para trás do balcão e mergulhei a cabeça na pia com força suficiente para rachar o fundo. A pequena gritava incessantemente o nome de Jerry, numa litania aguda e insana. Virei-me e vi a imensa jamanta avançando lentamente contra a indefesa frente da lanchonete. O motorista de caminhão gritou e correu para a porta lateral. ― Não! ― berrou o cozinheiro. ― Não faça isso... Mas o motorista passou pela porta e correu na direção da vala de drenagem, em direção ao campo aberto existente além desta. O caminhão devia estar de sentinela fora do campo de visão daquela porta lateral ― um pequeno furgão com o letreiro "Lavanderia Wong" pintado na parte do lado. Atropelou o motorista antes que nos déssemos conta disso. Então, foi-se e só o motorista ficou, contorcido no cascalho. Seus sapatos tinham sido atirados à distância. A jamanta avançou vagarosamente através da faixa de concreto e da grama, passando sobre os restos mortais do rapaz e parando com o enorme focinho enfiado na lanchonete. A buzina de ar emitiu um súbito e ensurdecedor toque agudo, seguido por outro e mais outro. ― Pare! ― choramingou a garota. ― Pare... oh, por favor, pare! Mas as buzinadas prosseguiram durante muito tempo. Levei apenas um minuto para identificar o ritmo. Era o mesmo de antes: a jamanta queria combustível para si e seus colegas. ― Eu irei ― disse eu ao cozinheiro. ― As bombas estão destrancadas? O cozinheiro meneou afirmativamente a cabeça. Parecia ter envelhecido cinqüenta anos. ― Não! ― gritou a pequena, atirando-se sobre mim. ― Você tem que detê-los! Quebre-os, incendeie-os... Sua voz tremeu e morreu na garganta, produzindo um engasgado soluço de dor e tristeza. O cozinheiro segurou-a. Contornei a extremidade do balcão, abrindo caminho por entre as ruínas, e saí pela porta dos fundos do depósito de suprimentos. Meu coração batia com muita força quando saí para o sol quente. Queria outro cigarro, mas não se fuma perto de bombas de combustível. Os caminhões continuavam alinhados em fila. O furgão da lavanderia postara-se em frente a mim, no outro lado do cascalho, observando-me como um cão de fila agachado, rosnando e grunhindo. O menor gesto em falso e ele me esmagaria. O sol se refletia no párabrisa vazio. Era como olhar para o rosto de um imbecil. Puxei a alavanca da bomba para a posição "Ligada" e peguei a mangueira; desatarraxei a tampa do primeiro tanque e comecei a bombear combustível. Levei meia hora para esvaziar o primeiro tanque subterrâneo e depois fui para a segunda ilha de bombas. Alternava-me entre gasolina e óleo diesel. Os caminhões enfileiravam-se interminavelmente. Agora, eu começava a compreender. Começava a ver. No país inteiro as pessoas faziam a mesma coisa que eu ou jaziam mortas como o motorista de caminhão, com os sapatos atirados longe e grandes marcas de pneus na barriga esmagada. Então, o segundo tanque secou e passei para o terceiro. O sol castigava-me como uma marreta e minha cabeça principiava a doer por causa dos vapores do combustível. Tinha calos na pele macia entre o polegar e o indicador. Calos de sangue. Mas os caminhões nada sabiam a respeito. Saberiam a respeito de tubulações com vazamentos, juntas queimadas, eixos grimpados, mas não a respeito de calos de sangue, insolação ou necessidade de gritar. Só precisavam saber uma coisa a respeito de seus antigos donos: eles sangravam. Nós sangrávamos. O último tanque se esvaziou e larguei a mangueira no chão. Ainda havia mais caminhões, formando uma fila que dobrava a esquina do prédio. Virei a cabeça para aliviar uma cãibra no pescoço e esbugalhei os olhos. A fila saía pela frente do estacionamento e continuava pela estrada até perder de vista, dupla, tripla. Era como um pesadelo da Los Angeles Freeway na hora do rush. O horizonte parecia tremer e dançar com os gases de escapamento; o ar fedia com a poluição. ― Não ― disse eu. ― Acabou o combustível. Até a última gota, pessoal. Um motor roncou mais forte, pesado, uma vibração que abalava os dentes da gente. Um enorme caminhão prateado se aproximava, um caminhão-tanque. Trazia escrito na lateral: "Use Phillips 66 ― O Combustível dos Jatos!" Uma pesada mangueira caiu da traseira. Fui até lá, peguei-a, abri a tampa do primeiro tanque subterrâneo e atarraxei a boca da mangueira. O caminhão começou a bombear combustível para o depósito. O fedor de petróleo infiltrou-se em mim ― o mesmo cheiro que os dinossauros deviam sentir quando se atolavam em poças de alcatrão. Enchi os outros dois tanques subterrâneos e voltei ao trabalho. Minha consciência começou a falhar até que perdia noção do tempo e do número de caminhões. Eu desenroscava a tampa, enfiava a mangueira no buraco, bombeava até que o líquido quente e pesado começasse a transbordar e recolocava a tampa. Os calos de sangue estouraram e o pus me escorria até os pulsos. A cabeça latejava como um dente podre e o estômago se revoltava, indefeso contra os vapores fétidos dos hidrocarbonetos. Eu ia desmaiar. Ia desmaiar e isto seria o meu fim. Continuaria a bombear até cair. Então, senti as mãos escuras do cozinheiro. ― Vá para dentro ― disse ele. ― Descanse. Cuidarei disto até o anoitecer. Procure dormir. Entreguei-lhe a bomba. Mas não consigo dormir. A garota está adormecida, estendida no balcão com uma toalha por travesseiro, e seu rosto não se relaxa nem durante o sono. É o rosto sem tempo, sem idade, da bruxa guerreira. Vou acordá-la daqui a pouco. Já está anoitecendo e faz cinco horas que o cozinheiro está lá fora. E os caminhões ainda continuam a chegar. Olho pela janela quebrada e vejo que seus faróis se estendem por dois quilômetros e meio, ou mais, cintilando como safiras amarelas na crescente penumbra. Devem estar enfileirados até a rodovia, talvez além dela. A garota terá que fazer o seu turno, também. Mostrar-lhe-ei como. Ela vai dizer que não consegue, mas conseguirá. Quer continuar viva. Querem ser escravos deles? ― perguntara o cozinheiro. É isso que acabará acontecendo. Querem passar o resto da vida trocando filtros de óleo cada vez que uma daquelas coisas tocar a buzina? Poderíamos fugir, talvez. Agora, seria fácil chegar à vala de drenagem, do jeito como eles estão enfileirados. Correr através dos campos, passando pelos locais pantanosos onde os caminhões atolariam como mastodontes, e ... ... voltar às cavernas! Desenhar na pedra com carvão. Este é o deus-lua. Isto é uma árvore. Isto é um caminhão Mack matando um caçador. Nem mesmo isso. Atualmente, grande parte do mundo está pavimentada. E para enfrentar os campos e pântanos existem tanques, half-tracks, viaturas equipadas com lasers, masers, radares guiados pelo calor. Pouco a pouco, eles conseguirão transformar o planeta no mundo que desejam. Posso imaginar grandes comboios de caminhões basculantes aterrando o grande Pântano Okefenokee com areia, bulldozers rasgando os parques nacionais e as florestas, aplanando a terra, compactando-a numa vasta superfície plana. Então, os caminhões chefes chegando... Mas são máquinas. Não importa o que lhes tenha acontecido, a consciência de massa que tenham adquirido, não se podem reproduzir. Dentro de cinqüenta ou sessenta anos serão carcaças enferrujadas, desprovidas de toda e qualquer ameaça, sucata imóvel para ser apedrejada e cuspida pelos homens. E se fecho os olhos agora, posso ver as linhas de montagem em Detroit, Dearborn, Youngstown e Mackinac, caminhões novos sendo montados por operários que não batem cartões de ponto, mas simplesmente caem mortos e são substituídos. O cozinheiro já está começando a cambalear um pouco. Além disso, é idoso. Preciso acordar a garota. Dois aviões deixam rastros de vapor prateado acima do horizonte oriental que vai escurecendo. Eu gostaria de acreditar que existem pessoas a bordo deles.
 

Rust Hill Copyright © 2010 | Designed by: compartidisimo