"Se houvesse uma segunda chance,
que preço você daria a ela?"
John Hopes era um homem que (querendo ele ou não) tinha uma vida muito automática. Não sabendo ele quando isso havia se tornado tão evidente assim.
Do trabalho de redator em uma revista que quase ninguém lê para a casa apertada e com cheiro de mofo em uma periferia da cidade. Da casa, onde ele só chegara para dormir ou participar das confusões familiares com a esposa e o filho rebelde de dezessete anos dela, que já havia se tornado dia-a-dia, para o trabalho que entrara de cara emburricada e era sempre cortado pelo seu chefe (todas as vezes que apresentara uma ideia nova para tirar a empresa do buraco que estava decaindo a cada ano que se passara).
Quem sabe... não em uma dessas idas e vindas do emprego que ele veio parar nessa sala grande e silenciosa esbranquiçada de uma forma tão solitária.
Ou quem sabe não foi sua mulher que armou tudo para ele junto com seu filho que lhe odiava fulminavelmente, fez isso para receber uma pensão por morte e se mudar de onde ela chamava de "inferninho", pelo qual, ela havia clamado para irem embora dali há meses.
A verdade é que há anos ele sentia dor nas costas e no estômago, jamais se atrevendo a ir no hospital pois dizia que "médicos acham doenças em você, que nem você tinha tal conhecimento de que existiam, e por cima... cobram caro para lhe ferrar!".
Mas foi realmente em uma dessas idas e vindas que ele acabou tombando por desmaio, de pé e de frente ao espelho fazendo a barba (foi quando a dor atingiu um ponto extremo, tão forte que lhe contorceu os ossos e lhe espremeu a barriga), ele tombou e bateu a cabeça na pia bruscamente, e de repente... as dores foram embora.
Era uma sala branca e fantasticamente vazia, o corredor se prolongava por quilômetros. Você poderia tentar, mas certamente não conseguiria ver o fim. As portas eram iguais e não havia divisão por números ou nomes, marcas ou cores. Pelo contrário, pareciam que tinha acabado de coloca-las naquele estranho lugar ou acabaram de polir, eram portas novas e isso ele tinha certeza.
A única coisa diferente no lugar para lhe destacar era o bebedor, coberto por uma renda que deixava à vista que o garrafão de água estava pela metade. Havia também uma cadeira com o estofado azul e outras duas seguintes, ligadas somente por uma liga de ferro estreita.
O cheiro do lugar era um cheiro de creme de barbear e nada além disso.
Uma voz vinda do vazio que lhe atacou por todos os lados, sem ele saber de onde realmente estava vindo diz:
"Próximo!"Certamente aquela voz ecou no vazio por alguns metros até o som se dissipar. Mas a cabeça de John ainda continuara com muitas perguntas. Se você abrisse a gaveta de arquivos de John Hopes, iria encontrar perguntas como "Por que razão?" ou "porque eu?" , muito próximas porém diferentes quando se coloca na pele do homem que tinha tudo para dar certo e decaiu sem saber realmente como fez essa façanha, sem saber como se meteu nesse buraco.
Novamente a voz torna a falar algo, dessa vez o chamando:
"John, por aqui John, vamos John... não me faça perder o tempo que eu não tenho"Uma porta se abre levando o homem de terno azul escuro e sapatos de bico fino do tipo que a maioria dos pastores usam, ou velhinhos que jogam xadrez apostando qualquer coisa.
Era uma voz dura e ao mesmo tempo rouca, porém muito familiar, como aquelas que você escuta uma vez na vida e quando torna a ouvir décadas depois sua memória falha um pouco, não fazendo daquela voz algo estranho mas sim algo somente familiar, era necessário ver o rosto para dar aquele sorriso sem graça na ponta da boca e dizer com um pouco de alegria e um fundo de mentira, "Eu sabia que era você".
Os passos se apressam em direção à porta, os sapatos de bico fino tocam o chão como se fossem bolinhas de gude saltitando e ressoando por todo o corredor. Ele entra na sala na esperança de encontrar um velho amigo talvez, mas a sala está completamente vazia. Há objetos mas não há pessoas.
Papéis inteiramente brancos espalhados por toda a mesa de madeira rústica, outro bebedor porém dessa vez vazio. Uma lata de lixo vazia por sinal, uma caneta esferográfica no chão perto da porta. E uma cadeira estofada virada para a parede e na parede um cartaz com letras de fôrma e traços cortando as palavras que diziam:
"E outro logo abaixo que dizia:TERÇA-FEIRA"
"A cadeira rotaciona em 180°graus, alguém se levanta e diz com a velha voz rouca porém dura, especialmente enviada para ele dessa vez:E QUEM SE IMPORTA????"
- John Hopes, não é isso?
O rosto de espanto entra em fusão com o estado de surpresa de Hopes, até suas palavras finalmente saírem pelo canto de sua boca tentando aquele sorriso falso para dizer que, ele sabia quem estava sentado ali o tempo todo. Mas o sorriso veio de uma maneira diferente e em vez do pequeno sorriso, sua boca se expandiu em um tom surpreso e de olhos esbugalhados com um estrondoso:
- JACK? POR DEUS É VOCÊ, JACK!
Sua memória não lhe falha aquele dia em seu escritório:
"Era tarde e sua mulher havia acabado de dizer que Tommy tinha queimado suas planilhas, que ele teria de entregar na outra semana para seu chefe, e que agora teria de refazê-las por um pedido misericordioso dizendo - John pelo amor de Jesus Cristo! - e ele dizendo: - Eu vou pôr esse garoto em um reformatório, U-R-G-E-N-T-E!!!"
O ar estressante é repelido em pontapés no cesto de lixo e espasmos musculares produzidos pela mesma velha dor nas costas, mas depois é acalmado instantaneamente por uma voz... sim a voz dura e ao mesmo tempo rouca, esse cara devia ter algum problema com a voz, com certeza devia...
- Senhor Hopes, posso ajudar com o lixo de sua sala?
Ele balança um pouco a cabeça de um lado a outro afim de ver o nome no crachá de serviço - Ah sim Jack pode sim, obrigado.
A sala entra em completo silêncio até as forças que seguravam seu sorriso se desvairem e deixar aquela situação do jeito que estava:
- m-e-l-a-n-c-o-l... - soletra e depois é interrompido por Jack- É melancólica John, esse nome nesta folha é melancólica - diz em um tom um pouco bravo para John, mas que na verdade ele estava mesmo era de saco cheio disso tudo.
Hopes se fecha um pouco e dá dois passos curtos para trás, esperando que Jack o peça para sentar.
- John, aqui eu não sou o zelador Jack, eu sou o que você chama de pombo correio do carinha lá de cima.
- Lá d-de c-i-cima? EU MORRI?
- Sim, John sua hora chegou tão breve quanto a partir deste dia irá ser o de sua esposa.
Por um momento ele se sente triste, mas se realegra ao pensar que a vida por ali não vai ser tão ruim e solitária se ela estiver com ele.
- Ela não ficará com você John, se é isso que está pensando, a propósito... Sente-se.
- Onde estamos?
- Não estamos no céu e também não estamos no inferno. Bem vamos logo começar com isso.
Jack se abaixa e quando retorna traz consigo um pequeno baú de prata.
- Isso é como nós se comunicamos. E também é como eu irei ver sua história.
John se levanta por um momento, e torna a sentar quando sente sua dor atacando novamente suas costas e descendo para a esquerda até chegar à sua costela.
- Vejamos, aqui diz que você pescou com seu pai quando tinha apenas oito anos e arremessou o gato de sua tia de dentro do barco e disse que ele havia pulado, mentiu...
John tenta se conter mas solta uma minúscula risadinha evadida por entre sua mão que tapava a boca. Ele toma um pouco de coragem e diz:
- Eu era apenas uma criança.
- Eu sei que era, não estou lhe considerando culpado... é que... essas crianças desses últimos séculos que se passaram... bem... são muito estranhas. Aqui também diz que com dezenove anos você pegou sua primeira garota de jeito, e também diz que tenta desde os quinze... - ele é interrompido por um gesto vergonhoso de alguém que acha que isso não lhe era adequado ao momento.
- Podemos pular essa parte por favor...
A voz rouca e dura se torna uma feliz e suave:
- É claro... Por que não? Aqui diz que com vinte e um você começou a fazer faculdade de letras, mas entre pausas pelos anos por causa da mãe doente e da namorada grávida, só terminou aos vinte e sete...- de uma forma surpresa - nossa... isso é mais do que eu já vi passar por aqui.
- Sim, tive de trabalhar como frentista em um posto de gasolina vagabundo que pagava pouco e ainda por cima me xingava muito.
- Eu sei.. estou lendo aqui. Na verdade, eu já sei disso tudo.
- Para onde eu vou agora?
- Vou chegar nessa parte, John. Acalme-se um pouco. Eu tento pedir uma reforma por aqui com uma tv ou algo que me faça sair desse tédio todo, mas tudo que eu recebo é silêncio em troca. Peço um local longe daqui e tudo que recebo é... você sabe... - suas mãos balançam um pouco por entre alguns papéis dentro do baú até encontrar um que lhe chama bastante a atenção - Bem, trinta e dois anos, essa data lhe é estranha de alguma forma?
Os olhos se enchem de lágrimas e lembram-se de um garoto chamado Toddy Hopes. Loiro e olhos azuis assim como a mãe. Seus ouvidos lhe fecham, e sua face entra em silêncio por lampejos de imagens de um garoto forte e saudável correndo por entre as árvores da praça verde em frente a sua casa na parte rica da cidade.
- Ele...ia...fazer...doze anos.
As memórias continuavam acompanhadas de um turbilhão de imagens que o atacava de todos os lados como socos em uma briga de boxe.
Um caminhão fugiu da pista, descontrolado ele seguiu por 900 metros arrastando a pequena Mercedes e destruindo-a aos poucos até se tornar uma pequena e sangrenta bola metálica.
A sala branca sem lâmpadas ou qualquer raio de sol, mas que, de alguma forma estava estranhamente iluminada, vai se apagando lentamente até se tornar um clima de cinema, e na parede, passar sua atual memória por uma voz de comentarista televisivo. Stu Danniels, o amigo de sua esposa e que mais tarde se tornou o seu:
11 de dezembro de 1981,
hoje, um acidente comoveu todo o país. Um jovem pai teve seu coração destroçado por um acidente fatal que levou toda sua família. E ele teve de assistir toda a cena do corpo de bombeiro removendo os restos de seu filho de 11 anos e sua esposa de vinte e nove...
O carro ficou inteiramente irreconhecível, uma Mercedes 380sl que foi arrastada por quase um quilômetro, agora, parecia uma simples bolinha de papel. O pai está na cena da tragédia, a reportagem segue com Tonny Pattinson...
A câmera mostra o rosto triste do rapaz, desolado e silencioso. Ele se ajoelha e leva suas duas mãos ao rosto, ele ainda tinha esperança de que eles estavam vivo.
Toda a cena é dissipada como açúcar movido dentro da água por uma voz e uma mão em seu ombro, dizendo:
- John, podemos prosseguir?
Ele apenas meneia com a cabeça para dizer sim.
Todos que entram aqui, têm duas alternativas. Escolher a porta, e voltar a viver sua vida, com todas as dores aparecendo ao decorrer dos anos, você passando pela dolorosa e desolada perda. Ter de entrar na faculdade e fazer as mesmas pausas pela mãe doente que logo morreu de câncer, e a esposa que estara grávida. Ter de sofrer com a solidão de estar sozinho durante anos e começar a beber até perder tudo que tanto conquistou e logo após, se resgatado por uma lavadeira de copos do bar que mais tarde iria se tornar sua esposa. Sofrer as mesmas confusões, cuidar do mesmo garoto como se fosse seu filho e depois vê-lo crescer se tornando um de seus principais problemas, ter de aceitar um emprego inútil para sua capacidade mental para ganhar pouco e ainda levar sermões o tempo todo por algo que não é culpa sua. Ter de morar na mesma velha casa apertada e na zona perigosa da cidade. Ter de passar meses escutando sua mulher lhe pedir para ir embora de lá e você recusando pois lá foi o melhor lugar que conseguiu arranjar para fugir um pouco das dívidas. Ter de viver se enganando pois você não a ama e depois que sua mulher e seu filho foram embora, você perdeu a fé no mundo e não ama mais ninguém e também nem a si próprio, e apenas se engana todas as noites curtas que teve de um amor de ilusão que durava poucos minutos até suas costas começarem a doer e você se virar para um lado e dormir e sua mulher chorar por não ter um homem de verdade. Sim John, essa foi sua vida e agora terá de escolher entre a porta ou passar por tudo que um ser humano irá passar um dia:Sumir. Agora me diga? o que vai ser?
Sua cabeça está confusa e naquele momento parece que ele havia envelhecido algumas décadas, sua cabeça não era mais a mesma de quem havia aparecido naquele corredor cheio de perguntas. Agora, ele tinha apenas um questionamento, apenas uma única dúvida. Jogando fora todas as outras que ele viu que iriam ser inúteis de responder independente de qualquer escolha.
- E não tem nenhuma esperança de ser outra pessoa em outro corpo, outra vida, outro começo, outro qualquer coisa?
- Você vêm aqui sempre, já pode se considerar um freguês antigo. Com a mesma esperança de ser alguém e acaba escolhendo a porta e vivendo tudo novamente. Vamos John, não me deixe tomar essa decisão por você, foi uma vida de dor e tristeza, escolha sumir de uma vez... Não terá ninguém para lhe encher o saco por fazer algo errado, não haverá acidentes ou tragédia. Apenas paz - diz Jack agachado em em sua frente com uma das mãos massageando seu ombro.
- Eu escolho a porta... eu sei que agora vai ser diferente... dessa vez eu consigo - seu peito se enche de coragem e a cor de seu terno até parece ter clareado um pouco também ele abre um sorriso incerto mas mesmo assim corajoso e se levanta e olha para trás.
- É Hopes... Sempre você diz isso e eu sempre tenho de lhe dizer "Boa sorte, amigo", mas dessa vez eu não irei fazer isso. Vou dizer apenas... Até mais.
Ele passa a porta e entra em um emaranhado de luz que lhe puxa para dentro.
16 de Janeiro de 1949- Que bebê lindo... Parabéns mamãe, como vai se chamar? - diz um par de olhos verdes atrás de uma máscara cirurgia e dentro de uma roupa azul.
- Talvez Johnatan Hopes, Hopes que significa esperança em inglês - diz a mãe já segurando o bebê.
O pai toma a frente da situação e diz:
- Por que não chama-lo de Neil, significa "aquele que vence" e o sobrenome por quê não coloca-lo igual ao meu avô e chama-lo de Wise? significa Sábio.
Os olhos do cirurgião se movem para o pai, e ficam apenas focados nele, pois ali determinará o começo de tudo.
Sua mãe apenas meneia a cabeça para dizer sim.
O cirurgião tira a máscara e diz em uma voz rouca porém dura, diz em um tom feliz dentro de sua mente:
" É seu filha da mãe, você conseguiu, conseguiu de verdade".
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